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IOF E O CONTRATO DE SEGURO COLETIVO

IOF E O CONTRATO DE SEGURO COLETIVO

INTRODUÇÃO:  Foi-nos solicitado parecer sobre edital de Pregão Eletrônico (048/2009) da Justiça Federal, que pretende em seu item 5.2.5 que seja computado no preço do seguro o Imposto Sobre Operação de Seguros (IOF) à alíquota zero, sob a alegação de que haveria in casu incidência do § 3°, do art. 2°, do Decreto n° 6.306/2007.  A consulta se prende ao fato de que a Receita Federal já afirmou em solução de consulta  com base em Decreto de 1997, portanto cronologicamente inaplicável ao caso, ser devido o tributo se o segurado não for o próprio órgão, mas  os que lhe são servidores.

 

CONSIDERAÇÕES:

1 –  Ao definir a figura do sujeito passivo da obrigação tributária, o Código Tributário Nacional diz em seu art. 121 que, ipsis verbis:

 

“Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.

        Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:

        I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;

        II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.”

 

2 – Logo, para alguém ser “contribuinte” é necessário que tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador.

 

3 – Nos contratos individuais  de seguro, e.g. o de automóvel, normalmente quem contrata o faz para si, embora isso não seja regra absoluta, porquanto há o seguro contratado por quem tem interesse na vida de outrem.  Nesse sentido, suficientemente elucidativas as redações dos arts. 1.472 do Código Civil de 1916 e seu correspondente art. 790 do Código Civil de 2002, que seguem abaixo transcritos, ipsis verbis:

CÓDIGO CIVIL DE 1916

“Art. 1.472.  Pode uma pessoa fazer o seguro sobre a própria vida, ou sobre a de outrem, justificando, porém, neste último caso, o seu interesse pela preservação daquela que segura, sob pena de não valer o seguro, em se provando ser falso o motivo alegado. (Redação dada pelo Decreto do Poder Legislativo nº 3.725, de 15.1.1919)

Parágrafo único.  Será dispensada a justificação, se o terceiro, cuja vida se quiser segurar, for descendente, ascendente, irmão ou cônjuge do proponente.

Art. 790. No seguro sobre a vida de outros, o proponente é obrigado a declarar, sob pena de falsidade, o seu interesse pela preservação da vida do segurado.

Parágrafo único. Até prova em contrário, presume-se o interesse, quando o segurado é cônjuge, ascendente ou descendente do proponente. (grifei)

 

3.1 – Aqui se tem uma situação importante para a análise do sujeito passivo da obrigação tributária do Imposto sobre Operação de Seguros, ou seja, quando quem contrata garante a própria vida é chamado pela doutrina de “segurado”;  quando o contratante faz seguro sobre a vida de outrem, este outro é que é chamado de segurado, e o contratante é beneficiário.

4 – Fato semelhante se passa no seguro em grupo, onde o contratante é chamado de estipulante, e os segurados são os que tem a vida coberta pelo seguro e que aderiram ao contrato firmado entre estipulante e seguradora, sendo beneficiários os indicados no cartão de adesão do segurado ao recebimento do capital segurado.

 

5 – Nesses dois casos, seguro sobre a vida de outrem e segurado de seguro de vida em grupo, o sujeito passivo, na realidade, somente pode ser o contratante (no seguro individual quem subscreve a proposta individual;  no seguro em grupo ou coletivo o estipulante que firma o  contrato com o segurador).  Dispõe o art. 801 do Código Civil, quanto ao seguro em grupo ou coletivo, verbis:

CÓDIGO CIVIL DE 2002

Art. 801. O seguro de pessoas pode ser estipulado por pessoa natural ou jurídica em proveito de grupo que a ela, de qualquer modo, se vincule.

§ 1o O estipulante não representa o segurador perante o grupo segurado, e é o único responsável, para com o segurador, pelo cumprimento de todas as obrigações contratuais.

§ 2o A modificação da apólice em vigor dependerá da anuência expressa de segurados que representem três quartos do grupo.

6 – Tal conclusão é conseqüência de interpretação lógico-sistemática, porquanto para alguém  figurar como sujeito passivo de obrigação tributária, na qualidade de contribuinte, há de mister que tenha “relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador” e seria estranho que alguém que não contratou seguro, que pode até desconhecer que seu cônjuge, ascendente ou descendente o tenha feito, inclusive  com indicar-lhe como “segurado” (em seguro sobre a vida de outro, onde o contratante pode figurar como “beneficiário” e receber a quantia segurada no caso de decesso do segurado), ainda figurasse como pólo passivo de obrigação tributária que não criou.  Para demonstrar o absurdo da tese, basta lembrar que se a seguradora não fosse também – por responsabilidade (art. 121, II, c/c art. 128 do CTN) imposta por lei – considerada sujeito passivo da obrigação tributária, o “segurado” poderia ser responsabilizado por obrigação que talvez até mesmo desconhecesse ou não desejasse.  Mais que isso, talvez se criassem dívidas tributárias em nome de outrem só por perseguição política, ou por brigas em família, com usar exclusivamente da contratação deste tipo de seguro e deixando de recolher o tributo em análise.  Por estes motivos, e pela redação expressa do inciso I, do art. 121 do Código Tributário Nacional, entendemos que, regra geral o sujeito passivo da obrigação tributária é o segurado, quando é ele quem contrata o seguro;  mas há exceções, como a do seguro individual sobre vida de outro e a do seguro em grupo ou coletivo.

7 –   Logo, nos contratos coletivos, contratante pode não ser  e normalmente não é o segurado, e pode também não ser quem suporta o pagamento do prêmio mensal.

8 –  No presente caso, que nos foi dado à análise, o estipulante pagará o seguro de vida para seus servidores (segurados) e a discussão surge desse fato, pois que é ele estipulante quem realiza a operação de seguro e não os segurados e justo por isso se perquire quem será o contribuinte.

9 – Diz mais o edital (cláusula 5.2.4), que estaria o órgão contratante ao abrigo da não-incidência prevista no § 3°, do art. 2°, do Decreto n° 6.306/2007.

SUJEITO ATIVO E PASSIVO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA

IMUNIDADE RECÍPROCA, NÃO-INCIDÊNCIA, ALÍQUOTA ZERO E ISENÇÃO

10  – Ponto importante a esclarecer é que o sujeito ativo da obrigação tributária é a União Federal, ao passo que o sujeito passivo, no que diz com as operações de seguro é o segurado, dado que o art. 66 do Código Tributário Nacional dispõe que será contribuinte do imposto qualquer das partes na operação tributada com a ressalva de que  isso se dará “conforme dispuser a lei”.  Conforme disposto no art. 4° da Lei n° 5.143/66, com nova redação dada pelo Decreto-Lei n° 914/69, que é a lei a que alude o art. 66 do CTN, o contribuinte da obrigação de seguro é o segurado (na redação anterior o sujeito passivo era o segurador) .  Atualmente, pela Lei n° 5.143/66 e Decreto 6.306/2007, regulador do Imposto sobre Operações de Seguro, o segurador é  “responsável” pelo recolhimento (id est, é sujeito passivo por disposição expressa de lei, não é o contribuinte inciso II, do art. 121 c/c 128 do CTN) , consoante inciso II, do art. 5°, da Lei n° 5.143/66 com as alterações dadas pelo Decreto-Lei n° 914/69.  Tal disposição sempre foi repetida, com pouca alteração, nos decretos que regularam referido imposto, mas o que conta quanto à definição do sujeito passivo é a lei.

10.1 – Há, em matéria tributária, grande confusão entre os conceitos de imunidade, não incidência, isenção e alíquota zero, confusão esta que se reflete na redação de leis e decretos (como os do IOF), bem como na doutrina e jurisprudência.

11 – Há os que vêem a imunidade como proibição constitucional de até mesmo legislar sobre criação de tributo em determinados casos protegidos pela Carta Magna;  ao passo que a não-incidência seria uma não previsão legal sobre determinada hipótese de incidência possível, mas que momentaneamente foi deixada de lado pelo legislador;  isenção seria para o Supremo Tribunal Federal mera dispensa do pagamento de tributo (enquanto parte da doutrina entende que é não-incidência) e alíquota zero seria o caso de tributo que existe em todos os seus efeitos, mas cuja alíquota é zero e, portanto, não há nada temporariamente a recolher (há doutrinadores, como Misabel Derzi que sustentam que alíquota zero seria sinônimo de isenção;  outros, como Luiz Emigdio, entendem que seria não-incidência temporária).

 

12 – No caso em apreço, é importante notar que os decretos regulamentadores de IOF trataram a questão de não tributação de órgãos dos estados, municípios e distrito federal como alíquota zero;  ao passo que outro tratou como não-incidência, e isso tem de ser analisado para se saber se é ou não devido o tributo.

 

13 – A princípio, há imunidade recíproca que veda seja determinado ente federativo tributado (em imposto) por outro em suas atividades fins, consoante estampado no art. 150, VI, “a” da Constituição, vedação esta “extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes”, como dispõe o § 2°, do mesmo artigo, abaixo transcrito:

IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(…)

VI – instituir impostos sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

 (…)

§ 2º – A vedação do inciso VI, “a”, é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.

 

 

13.1 – Em virtude deste dispositivo (art. 150, VI, “a” e § 2° da CR), o Supremo Tribunal Federal entendeu ser aplicável ao IOF, conforme se vê da decisão abaixo, seguida por outras de nossos tribunais quanto às autarquias, fundações etc., ipsis litteris:

“TRIBUTÁRIO. IOF. APLICAÇÃO DE RECURSOS DA PREFEITURA MUNICIPAL NO MERCADO FINANCEIRO. IMUNIDADE DO ART. 150, VI, A, DA CONSTITUIÇÃO. À ausência de norma vedando as operações financeiras da espécie, é de reconhecer-se estarem elas protegidas pela imunidade do dispositivo constitucional indicado, posto tratar-se, no caso, de rendas produzidas por bens patrimoniais do ente público. Recurso não conhecido” (STF, 1ª T., RE-213059/SP, rel. Min. Ilmar Galvão. DJU. 27/02/1998).

“(…)As empresas públicas prestadoras de serviço público distinguem-se das que exercem atividade econômica. A ECT – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é prestadora de serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, motivo por que está abrangida pela imunidade tributária recíproca: C.F., art. 22, X; C.F., art. 150, VI, a. Precedentes do STF: RE 424.227/SC, 407.099/RS, 354.897/RS, 356.122/RS e 398.630/SP, Ministro Carlos Velloso, 2ª Turma  (…)(STF, 1ª Turma, AI-AgR 458856 / SP – Relator(a): Min. Eros Grau. Julgado em 05/10/2004. Publicado no DJ em 20/04/2007, pp. 00089)

TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. OAB. IPTU IMUNIDADE.
– Sendo a OAB uma autarquia federal, está abarcada pela imunidade prevista no art. 150, VI, “a” e § 2º da CF/88, em relação ao IPTU sobre imóvel afetado a sua finalidade essencial.
(TRF4, REO 2003.71.09.003828-3, Primeira Turma, Relator Maria Lúcia Luz Leiria, publicado em 16/03/2005)

TRIBUTÁRIO. AUTARQUIA. IMUNIDADE RECÍPROCA. IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES FINANCEIRAS. INCONSTITUCIONALIDADE.
É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros. Tal vedação é extensiva às autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos servios vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes (CF, ART-150, INC-6, LET-A, PAR-2). Remessa oficial desprovida. (TRF4, REO 95.04.06505-8, Segunda Turma, Relator Tânia Terezinha Cardoso Escobar, publicado em 13/03/1996)

 

13.1 –  Logo, a tentativa de se cobrar IOF de órgão municipal, estadual ou do Distrito Federal, seria afronta ao art. 150, VI, “a” da Constituição da República e, flagrante caso de imunidade recíproca e não de “não-incidência”, nem de “isenção”, nem de “alíquota zero”.  Em outras palavras, não seria de mister a colocação em lei ou decreto nenhuma disposição concedendo isenção ou alíquota zero, porquanto  não há sequer incidência, pela imunidade que veda até mesmo ao legislador que legisle sobre os assuntos ali elencados.

13.2 – Que um Decreto regulamentador do IOF, portanto, trate o assunto em um de seus dispositivos chamando-o ora de isenção, ora de não-incidência, ora de alíquota zero, em nada altera a Imunidade, que tem sede constitucional e, portanto,  na Constituição tem seu abrigo.

13.3 – O presente caso, que diz com licitação feita pela JUSTIÇA FEDERAL, órgão portanto da União Federal, sujeito ativo do tributo, não há sequer imunidade recíproca, mas sim impossibilidade de a União ser sujeito passivo e ativo da mesma obrigação tributária, porquanto haveria  o que no direito civil se tem por “confusão” (art. 1.049 do Código Civil de 1916 e art.381 do Código Civil de 2002:  Extingue-se a obrigação, desde que na mesma pessoa se confundam as qualidades de credor e devedor), que é causa de extinção da obrigação, inclusive tributária, mesmo que não disposta expressamente no rol do art. 156 do CTN, como leciona a boa doutrina.

13.4 – Aliomar Baleeiro (Direito Tributário Brasileiro, 11ª edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2004, atualizado pela douta Professora Misabel Abreu Machado Derzi, da Universidade Federal de Minas Gerais, p. 860 e 861), sustenta:

No Direito Privado, há outras modalidades de extinção de obrigações, como a novação(Código Civil, arts. 999 a 1.008) e a confusão(Código Civil, arts. 1.049 a 1.052), que o CTN não contemplou.

A novação, isto é, constituição de nova dívida para substituição da anterior, ou substituição de credor por outro novo, não parece compatível com a obrigação tributária.

Mas a confusão, isto é, extinção determinada quando, por um fato ou ato jurídico, as qualidades de credor e devedor se reúnem na mesma pessoa, pode acontecer esporadicamente no Direito Tributário. Se o pai credor, p. ex., vem a ser herdeiro necessário do filho devedor, desaparece a dívida deste para com ele, porque ninguém pode ser credor de si mesmo, ainda que civilistas, inclusive Espínola, discutissem o autocontrato (Selbscontrahiren).

Ora, uma pessoa de Direito Público pode ser legatária da universalidade de bens e obrigações de alguém. A União recolhe as heranças jacentes, isto é, os bens deixados pelos defuntos sem herdeiros nem legatários conhecidos. Passando a dona da universitas rerum do de cujus, opera-se aí a confusão.

Outras vezes, a União incorpora, como fez durante a Segunda Grande Guerra, bens dos inimigos, inclusive no território nacional. Ocorre também aí a confusão, do art. 1.049 do Código Civil.

Do mesmo modo, na desapropriação da maioria de ações duma sociedade anônima, como no caso da E. F. Paulista pelo Estado de São Paulo.

13.5 – Do mesmo modo, LUIZ EMIGDIO (Manual de Direito Financeiro & Direito Tributário, 20ª edição, Editora Renovar, Rio de Janeiro – São Paulo, 2007, p. 504 e 505), ensina que:

O art. 156 do CTN também não se refere à confusão, que consiste na reunião, na mesma pessoa, das qualidades de credor e devedor (Código Civil, art. 1.049). Assim, a confusão ocorre quando uma mesma pessoa é ao mesmo tempo sujeito ativo e sujeito passivo da obrigação, pelo que o credor não pode agir contra si mesmo, como devedor, extinguindo-se, portanto, a obrigação. A confusão pode eventualmente acontecer no Direito Tributário, quando, por exemplo, a União desaproprie as ações de uma sociedade anônima que é devedora do imposto de renda, tornando-se, assim, credora e devedora da obrigação tributária, que ficará extinta. Ocorre também quando o Município desapropria um bem imóvel, com débito de IPTU, ou quando o ente tributante recebe herança jacente. O STJ decidiu, corretamente, que sendo contribuinte do IPTU na única condição de possuidor e tendo sido esbulhado da posse pelo próprio Município tributante, não está obrigado a recolher o tributo até nela ser reintegrado por sentença judicial, à míngua do fato gerador previsto no art. 32 do CTN, confundindo-se, nesse caso, os sujeitos ativo e passivo do imposto, gerando confusão (2ª T, AgRg. 117.895/MG, rel. Ministro Ari Pargendler, v. u., 10/10/96, DJU 29/10/96, p. 41.639).

13.6 – Nesse caso, não há tributação dos órgãos da Administração direta federal, porquanto estaria a União como sujeito ativo e passivo da obrigação tributária quanto ao IOF;  quanto ao demais entes elencados no mesmo artigo, trata-se de imunidade tributária recíproca.

13.7 –  Tem-se de ver, apenas, a questão do “contribuinte” do tributo, mais a do “responsável” e da “possibilidade de alteração da alíquota por decreto”, para podermos afirmar se terá ou não a consulente de recolher o Imposto sobre Operação de Seguro, nos casos em que o contribuinte não tem esta obrigação.

DA ALTERAÇÃO DA ALÍQUOTA POR DECRETO

14 – Quanto à alíquota zero, já o art. 65 do Código Tributário Nacional, dada a natureza preponderantemente extrafiscal do IOF, permitia, “nas condições e nos limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas ou as bases de cálculo do imposto, a fim de ajustá-lo aos objetivos da política monetária.”, sendo que referido dispositivo foi recepcionado em parte pelo § 1°, do art. 153 da Constituição da República, que somente  faculta ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas do IOF. Logo, somente as alíquotas (§ 1°, do art. 153 da CR) podem ser modificadas e não estas e mais as bases de cálculo (art. 65 do CTN).

 

14.1 – Também pela preponderância de características extrafiscais, o IOF não precisa observar a anterioridade clássica nem a nonagesimal, por exceção prevista no § 1°, do art. 150 da Carta da República.

14.2 – Com base nesse dispositivo, os decretos regulamentadores do IOF prevêem expressamente as alíquotas que incidirão na operação de seguro.  Alíquotas essas que podem ser zero para determinadas operações de seguro até a alíquota limite prevista em lei.

14.3 – No caso concreto, há impossibilidade de se tributar a própria União, e como é ela quem contratará o seguro, que fará a operação de seguro, no mínimo tem-se de ler a não-incidência do IOF como sinônimo, ali, de alíquota zero, para que não perca o sentido.

15 – Além de poder ser fixada alíquota zero para determinada operação, por vezes os decretos prevêem por atecnia casos de não-incidência, que  deixam evidente o respeito pelo princípio da não tributação recíproca ou simplesmente para evitar a “confusão” entre sujeito ativo e passivo.

16 – Para melhor expormos a questão, transcrevemos abaixo o § 2°, do art. 2°, bem como arts. 19  e 20 do do Decreto n° 6.306/2007, para que possamos realizar interpretação lógico-sistemática e analisar os argumentos da Receita Federal formulados com base no Decreto n° 2.219/97, cujo art. 22 também é transcrito, verbis:

LEI N° 5.143/66

“Art 1º O Impôsto sôbre Operações Financeiras incide nas operações de crédito e seguro, realizadas por instituições financeiras e seguradoras, e tem como fato gerador:

        I – no caso de operações de crédito, a entrega do respectivo valor ou sua colocação à disposição do interessado;

        Il – no caso de operações de seguro, o recebimento do prêmio.”

         Art 2º Constituirá a base do impôsto:

        I – (…);

        II – nas operações de seguro, o valor global dos prêmios recebidos em cada mês.

        Art 3º O impôsto será cobrado com as seguintes alíquotas:

        (…)       Il – seguro de vida e congêneres e de acidentes pessoais e do trabalho – 1,0%;

        III – seguros de bens, valôres, coisas e outros não especificados, excluídos o resseguro, o seguro de crédito a exportação e o de transporte de mercadorias em viagens internacionais: – 2,0%.

        Art. 4º São contribuintes do impôsto os tomadores de crédito e os segurados: (Redação dada pelo Decreto-lei nº 914, de 1969)

“Art. 5º São responsáveis pela cobrança do impôsto e pelo seu recolhimento ao Banco Central do Brasil, ou a quem êste determinar, nos prazos fixados pelo Conselho Monetário Nacional:

(…)

II – Nas operações de seguro, o segurador ou as instituições financeiras a quem êste encarregar da cobrança dos prêmios”.

       

DECRETO N° 6.306/2007

§ 3o  Não se submetem à incidência do imposto de que trata este Decreto as operações realizadas por órgãos da administração direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e, desde que vinculadas às finalidades essenciais das respectivas entidades, as operações realizadas por:

I – autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público;

II – templos de qualquer culto;

III – partidos políticos, inclusive suas fundações, entidades sindicais de trabalhadores e instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei.

Dos Contribuintes

Art. 19.  Contribuintes do IOF são as pessoas físicas ou jurídicas seguradas (Decreto-Lei nº 1.783, de 1980, art. 2º).

Dos Responsáveis

Art. 20.  São responsáveis pela cobrança do IOF e pelo seu recolhimento ao Tesouro Nacional as seguradoras ou as instituições financeiras a quem estas encarregarem da cobrança do prêmio (Decreto-Lei nº 1.783, de 1980, art. 3º, inciso II, e Decreto-Lei no 2.471, de 1o de setembro de 1988, art. 7o).

Parágrafo único.  A seguradora é responsável pelos dados constantes da documentação remetida para cobrança.

 

DECRETO N° 2.219/1997

 

Art. 22 o IOF é devido às seguintes alíquotas: (Redação dada pelo Decreto nº 2.888, de 21/12/1998)

I – zero, nas operações de resseguro e nas seguintes operações de seguro: (Redação dada pelo Decreto nº 2.888, de 21/12/1998)

(…)

e) em que o segurado seja órgão ou entidade da Administração Pública Federal, Estadual, do Distrito Federal ou Municipal, direta, autárquica ou fundacional; (Incluído pelo Decreto nº 2.888, de 21/12/1998)”[REVOGADO PELO DECRETO N° 4.494/2002]

 

DECRETO N° 4.494/2002

 

“Art. 22.  A alíquota do IOF é de vinte e cinco por cento (Lei nº 9.718, de 27 de novembro de 1998, art. 15).

        § 1º  A alíquota do IOF fica reduzida:

        I – a zero, nas seguintes operações:

        (…)

e) em que o segurado seja órgão da Administração Pública Federal, Estadual, do Distrito Federal ou Municipal, direta, autárquica ou fundacional; (grifei)  (nota:  este dispositivo é claro caso de imunidade recíproca, prevista no § 2°, do art. 150 da Constituição da República)

(obs.: o Decreto n° 4.494/2002 foi revogado pelo Decreto N° 6.306/2007)

 

 

17 –  Percebe-se claramente que o Decreto 2.219/97 teve por forma de não cobrar  IOF dos seguros em que fossem segurados órgãos da União, Estados, Municípios etc. a “alíquota zero”;  este dispositivo foi seguido pelo Decreto n° 4.494/02 que o revogou;  mas foi abandonado pelo Decreto n° 6.306/2007, que entendeu de retirar esta hipótese de alíquota zero e declarar como hipótese de não-incidência as operações realizadas por órgãos da União, Estado, Município e Distrito Federal.

18 – Por aí se vê que são problemas distintos, com legislações distintas, que não podem ser aproximados.

19 – No caso atual, mesmo que se tenha por “segurado” o servidor e não o próprio órgão (o que é parcialmente verdadeiro, mas não de todo, vez que o servidor é agente e parte do órgão), no presente decreto não há essa hipótese de alíquota zero, vez que os casos arrolados para alíquota zero são diferentes.  No presente caso, sem nenhuma menção a seguro, nem segurado, o que se tem por hipótese de não-incidência é a operação realizada pelo órgão (o inciso III, do art. 2° diz que incide o IOF sobre as   operações de seguro realizadas por seguradoras; ao passo que o § 3° diz que não incidirá nas § 3o  Não se submetem à incidência do imposto de que trata este Decreto as operações realizadas por órgãos da administração direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios).  No caso, a operação de seguro é que não sofre a incidência do IOF, é a operação que não será fato imponível previsto na hipótese de incidência por expresso afastamento legal, ou, dependendo do entendimento que terá alíquota zero.  Logo o órgão é o contratante, é o órgão que realiza a operação,  o fato que seria imponível em condições normais é a “operação do seguro” mas que teve afastada a hipótese de incidência (para alguns doutrinadores seria isenção, para outros não-incidência, o que não importa para a conclusão).  Parece claro, portanto, que não há falar em incidência do tributo, nem tampouco de cobrança de qualquer das pessoas elencadas no art. 19 e 20 (contribuinte e responsável), vez que é a operação que não sofrerá incidência e não esta ou aquela pessoa, no dizer do Decreto.

 20 – A primeira parte do referido dispositivo foi lido pela Receita Federal, ao nosso ver, de maneira equivocada, por construção que tem por fito apenas o aumento de arrecadação, vez que não respeita nenhum princípio de hermenêutica, entre os quais o da interpretação lógico-sistemática, que se impõe ao caso.

21 – Já o edital, deu uma das interpretações possíveis ao que disposto no § 3°, art. 2°, do Decreto n° 6.306/2007, e teve o ali disposto como “alíquota zero”.  Eis seus dispositivos:

 

PREGÃO ELETRÔNICO N° 048/2009

5.2.4.         O preço ofertado será irreajustável e deverá abranger o valor do prêmio líquido total, já deduzidos os descontos e acrescido do custo da apólice, correspondendo, portanto, ao custo total da contratação do seguro;

 

5.2.5.Os preços apresentados deverão ter alíquota zero de IOF, nos termos do art. 2º, § 3º do Decreto 6.306/2007.

 

12.3.No valor total do documento de cobrança deverão estar inclusos todos os tributos incidentes sobre os produtos ou serviços, conforme legislação tributária aplicável.

22 – Caso a consulente queira se precaver, totalmente, quanto ao não recolhimento do Imposto sobre Operação de Seguros, deverá impugar o edital, na forma disposta nos itens 16.1 e seguintes:

 

DA  IMPUGNAÇÃO

16.1.Até 02 (dois) dias úteis antes da data fixada para abertura da sessão pública, qualquer pessoa poderá impugnar o Edital.

 

16.2.A impugnação deverá ser encaminhada ao Núcleo de Compras, Licitações e Contratos da JUSTIÇA FEDERAL, devendo ser entregue no Protocolo Administrativo situado na Rua Líbero Badaró, nº 73, Anexo II, térreo – Centro, São Paulo/SP, CEP 01009-000, no horário das 11h00 às 19h00.

 

16.2.1.   acolhida a impugnação contra o ato convocatório, será designada nova data para a realização do certame.

 

 

CONCLUSÃO:

 

24 – Sujeito passivo de obrigação tributária pode ser o contribuinte ou o responsável.

25 – No caso de Imposto sobre Operação de Seguros a lei diz que contribuinte é o segurado e responsável é o segurador (arts. 4° e 5° da Lei  n° 5413/66, com as alterações do Decreto-Lei n° 914/69).

26 – O art 121 do CTN diz que contribuinte deve estar relacionado ao fato gerador (fato imponível) e o segurado nem sempre está, vez que nos seguros sobre a vida de outrem, ou nos seguros coletivos ou em grupo o contratante é outro.  Nestes casos, para haver coerência com quem pratica a operação de seguro e o que disposto na lei, deveria ser considerado como contribuinte o contratante.

27 – Não há tributação entre entes federativos, pela imunidade recíproca – quanto a impostos (IOF é imposto), prevista na alínea “a”, do inciso VI, do art. 150 da Constituição da República, que se estende às autarquias e fundações (§ 2°, do art. 150 da CR).  Este dispositivo, por vezes, de maneira equivocada, é transcrito para os decretos regulamentadores do IOF como causas de “alíquota zero” ou de “não-incidência” (para os que entendem que imunidade é não-incidência qualificada estaria certo o termo empregado, mas ineficaz o instrumento, porquanto imunidade é questão constitucional e não infra-legal.

 

28 – Nada obstante não previsto no art. 156 do Código Tributário Nacional como causa de extinção do crédito tributário, por certo que a confusão, consoante doutrina de coturno e decisões do STF,  se aplica ao direito tributário, por este motivo não institui a União tributos federais para que ela mesma pague. 

29 – No caso em apreço, há dois motivos para não se pagar o IOF, primeiro a confusão, porque o tributo estaria sendo cobrado da própria União, caso em que esta seria sujeito ativo e passivo da mesma obrigação tributária, o que é absurdo;  depois, porque o § 3°, do art. 2°, do Decreto n° 6.306/2007 é claro ao dispor que  “não incide IOF nas operações contratadas por órgãos federais” e isso no mínimo equivale à “alíquota zero” a que alude a cláusula do pregão eletrônico.

 

30 – Eventuais argumentos da Receita Federal, de que o contribuinte é o segurado e este não é o órgão que é estipulante do contrato coletivo,  razão pela qual o imposto ainda seria devido pelos contribuintes e pelo responsável tributário (segurador), não resistem à análise mais profunda, pois que o Decreto ° 6.306/07 é claro ao dizer que não incidirá IOF nas operações em que o órgão tiver parte.

31 – Caso, ainda assim, a seguradora tenha dúvidas e receio de lhe ser imputada culpa por fato de terceiro, poderá formular consulta, obviamente impugnando antes o edital pelos motivos expostos.

É o que nos parece.

Rio de Janeiro, 23 de setembro de 2009.

 

Rodrigo José de Kühl e Carvalho

 

Advogado no Rio de Janeiro e Brasília

 

Especialista em direito empresarial, com ênfase em societário e mercado de capitais, pela FGV-RJ, 

 

Master of Law (L.L.M.)  Litigation FGV-RJ; e MBA em Direito Tributário,  também pela Fundação Getúlio Vargas.

 

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