AS ENTIDADES ABERTAS DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR SEM FINS LUCRATIVOS E O NOVO CÓDIGO CIVIL

AS ENTIDADES ABERTAS DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR SEM FINS LUCRATIVOS E O NOVO CÓDIGO CIVIL

 

Parecer publicado na Revista dos Tribunais, v. 830, p. 77-129, Dezembro/2004

 

SUMÁRIO: 1 – Introdução. 2 – Entidades abertas de previdência complementar sem fins lucrativos (EAPCSFL) são os antigos montepios ou sociedades de seguro mútuo. Decisões: TJRJ na Ap. 1335/2002 e STF no RE 115.308-3/RJ; 2.1 – Evolução legislativa;  2.2 – Crescimento das EAPCSFL e necessidade de imposição de direitos e obrigações diferenciados para “simples participantes de planos”  e “associados controladores”;  2.3 – Lei n° 6.435/77 e Decreto n° 81.402/78 que a regulamentou;   2.3.1 – Lei n° 6.435/77 e sua eficácia de lei complementar; 2.3.2 –  Pessoas Jurídicas sui generis – “sociedades civis especiais” e não apenas “sociedades civis” até 2002;   2.4 – Lei Complementar n° 109/01;   2.4.1 – § 1° do art. 77 da Lc n° 109/01, mantém organização das entidades sem fins lucrativos;   2.4.2 – Art. 79 da Lc n° 109/01, ab-rogação ou derrogação da Lei n° 6.435/77?  2.4.3  – As dez regras de SAREDO sobre revogação das leis e a integração da Lei n° 6.435/77 ao § 1° do art. 77 da Lc n° 109/01. 2.4.4 –  Decreto n° 81.402/78 vigência atual de alguns artigos por compatibilidade com a Lc n° 109/01; 2.4.5 – Decreto n° 81.402/78, impossibilidade de outro decreto ou lei ordinária modificar a organização das entidades abertas de previdência complementar sem fins lucrativos. Eficácia de lei complementar   3 – As entidades de previdência privada abertas sem fins lucrativos e o Código Civil de 1916; 3.1 – sociedades civis e associações no Código Civil  de 1916;   3.2 – Inexistência de distinção legal no Código de 1916. Tentativas doutrinárias; 3.3 – Definição da expressão “fim econômico” e “fim não-econômico” no Código Civil de 1916. 3.4 – Diferença entre “fim econômico” e “atividade econômica”;     4  –  Código Civil de 2002 (Lei n° 10.406/02), art. 2.031 é inaplicável às entidades de previdência privada aberta sem fins lucrativos;  4.1 – Impossibilidade de Lei ordinária (Código Civil) derrogar Lei Complementar (Lc n° 109/01); 4.2 –Impossibilidade de Lei Geral (Código) derrogar Lei Especial (Lc n° 109/01. Ressalvas previstas nos arts. 777, 1.123 e 2.033 do Código Civil.  4.3 – Diferença entre “associação”  e “sociedade” no Código Civil de 2002. 4.4 – Críticas ao  enquadramento como Associação. 4.4.1 –Liberdade de se associar e não intervenção estatal.  4.4.2. – Categorias diferenciadas de associados; 4.4.3 –  Designação de Diretoria. Eleição Indireta – Art. 59 do Código Civil de 2002. Direito a Voto não é Essencial. Direitos-Específicos Preferentes.  4.4.4 – 

Participantes: “Contratantes de Planos Previdenciários” ou “associados/sócios”?  – Entidades Fechadas Fundacionais 4.4.5  – Possibilidade apenas se enquadradas como associações sui generis, regidas por lei especial. 4.5 – Críticas ao enquadramento como “sociedade simples”. 4.5.1 – Possibilidade se enquadradas como “sociedades simples especiais sem fins lucrativos”, regidas por lei especial;  5 – Portaria n° 2/04, da Secretaria de Previdência Complementar quanto às entidades fechadas. 6 –  Conclusão.

 

 

1 – INTRODUÇÃO:

 

Foi-nos solicitado pela ANAPP-ASSOCIAÇÃO NACIONAL DA PREVIDÊNCIA PRIVADA, que atualizássemos nosso parecer de 15 de setembro de 2003, que abordava a legislação a ser observada pelas entidades abertas de previdência privada sem fins lucrativos, ante o que dispõe o § 1° do art. 77 c/c art. 73 da Lei  Complementar n° 109/01, com análise sobre a necessidade, ou não, de se adaptarem ao que disposto no Código Civil de 2002 (art. 2.031 da Lei 10.406/02),  e com abordagem sobre os efeitos da revogação da Lei n° 6.435/77 e possível vigência e eficácia de seu Decreto regulamentador de n° 81.402/78, com atenção à Portaria n° 2, da Secretaria de Previdência Complementar, publicada nesse mês de janeiro de 2004.

 

No parecer ora atualizado enfatizamos a impossibilidade de as entidades de previdência complementar sem fins lucrativos, pessoas jurídicas sui generis que são e regradas por “lei específica e complementar”, serem enquadradas no conceito de “associação”  ou “sociedade” tal como insertos no Código Civil de 2002,  pensamento esse que mais se consolidou ao longo dos meses.

Demos, todavia,  no  parecer anterior, por estarmos a refutar tese de quem as considerava como “associações”, ênfase ao fato de que se “associações fossem seriam sui generis”, especiais, sem nos estendermos sobre outra possibilidade também factível, que é a de serem consideradas como “sociedades sui generis”, o que fazemos agora, depois de termos conhecimento de que assim entendem alguns outros doutrinadores, tendo todos em comum, porém,  a total inaplicação do disposto no art. 2.031 do Código Civil de 2002 às referidas entidades.

 

As teses que sustentam serem as entidades de previdência complementar sem fins lucrativos “associações sui generis” ou “sociedades sui generis” foram, como o demonstraremos, fruto da verificação de que as entidades de previdência complementar têm algo em comum com cada uma dessas pessoas jurídicas,  em que pese nada tragam de concreto no que diz com as normas regentes das entidades, pois que todos os que defendem este ou aquele ponto de vista são contestes ao afirmar que a legislação aplicável é especial e não o Código Civil de 2002, que, quando muito, é aplicável apenas subsidiariamente.

 

2 – ENTIDADES DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR SEM FINS LUCRATIVOS (EAPCSFL) SÃO SOCIEDADES DE SEGURO MÚTUO

 

As atuais “entidades de previdência complementar sem fins lucrativos”, antigas “entidades de previdência privada privada sem fins lucrativos”, foram, outrora, conhecidas como sociedades de “seguro mútuo”, “sociedades de montepio”, ou, simplesmente de “montepios”.

ARNOLDO WALD esposa esse entendimento, pois  ao definir o contrato de previdência privada sustenta ser esse um “seguro mútuo de caráter sui generis”.  Diz o mencionado jurista, verbis:

 

“…o contrato previdenciário é um contrato de seguro mútuo de natureza privada, de caráter sui generis, bilateral, aleatório, de adesão e formal.” (“Curso de Direito Civil Brasileiro, Obrigações e Contratos”,  pág. 615, 13ª ed, 1998, ed. Revista dos Tribunais)

 

 Também, no sentido de que as entidades de previdência privada sem fins lucrativos são “sociedades de seguro mútuo” previstas no art. 1.466 do Código Civil de 1916, com as alterações previstas na legislação posterior MANUEL SEBASTIÃO SOARES PÓVOAS, in, “Previdência Privada”, pág. 200, item 1.1, ed. FUNENSEG, 1985;  e RODRIGO JOSÉ DE KÜHL E CARVALHO, “Cadernos de Seguros”, n° 11/93, ed. Funenseg.

 

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO

APELAÇÃO CÍVEL N° 1335/2002

 

Nossos tribunais também acolheram a tese de que as atuais entidades de previdência privada são as antigas sociedades de seguro mútuo previstas no art. 1.466 do Código Civil de 1916, o que se pode confirmar pela decisão abaixo, na Apelação Cível n° 1335/2002, julgada pela 1ª Câm. Cível do 

Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, tendo por Relator o  Des. Maurício Caldas Lopes, verbis:

 

“AÇÃO ORDINÁRIA, PECÚLIO, ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA – Natureza jurídica do pecúlio por morte, instituído sem qualquer prestação continuada posterior – esta sim de natureza previdenciária – de autêntico seguro mútuo. (C. cv Art. 1.466). Incidência, por força da Lei 6.435/77 (artigo 10), do Decreto 81.402/78 (artigo 9° ) e da Lei Complementar n° 109/2001 (artigo 73), da legislação atinente aos seguros privados, na qual se insere a regra da prescrição ânua, das ações do segurado contra seu segurador, tal como previsto no inciso II, do § 6°, do artigo 178 do Código Civil. Prescrição verificada. Extinção do processo com apreciação do respectivo mérito que, ademais, se exibe desfavorável à apelante. (TJRJ – Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Apelação Cível n° 1335/2002 – 1ª Câm. Cível – Relator: Des. Maurício Caldas Lopes – Apelante: Rosalina de Araújo Bordalo – Apelada: Capemi – Caixa de Pecúlios, Pensões e Montepios-Beneficente)

 

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

RECURSO EXTRAORDINÁRIO N° 115.308-3/DF

 

Há, outrossim, precedente do Supremo Tribunal Federal no  RE n° 115.308-3/RJ, que teve por Relator o Ministro NÉRI DA SILVEIRA, que sustentou, para afastar a incidência do I.S.S. que a Prefeitura do Rio de Janeiro tentava cobrar sobre a atividade das empresas denominadas de “medicina de grupo”, que as empresas que ofereciam o plano de pré-pagamento previsto no art. 135 do Decreto-Lei n° 73/66 seriam também seguradoras (esvaziou-se a discussão sob a forma pela qual estariam constituídas para analisar objetivamente a atividade) e o contrato seria típico contrato de seguro-saúde previsto nos arts. 

129 e 130 do referido Decreto-Lei 73/66, ou seja, mesmo as empresas chamadas de “medicina de grupo”, se operarem com planos de “pré-pagamento” são seguradoras pelo que decidido pelo Supremo Tribunal Federal, pois que para o Tribunal Excelso “qualquer contrato onde se receba algo para cobrir risco futuro e incerto é seguro”.

Diz trecho do voto do Ministro NÉRI DA SILVEIRA, no RE n° 115.308-3/RJ:

“…Destarte, para o deslinde da controvérsia devemos atentar para uma análise objetiva da verdadeira natureza das atividades desenvolvidas pela Apelante, em atendimento ao contrato firmado com seus clientes, pois, é, especificamente, com relação a este ponto que se discute a incidência ou não do imposto municipal.

No caso específico os serviços compromissados são de natureza técnica e profissional.

Os valores recebidos pela Apelante do Cliente não se destinam ao pagamento da prestação de qualquer serviço médico, hospitalar ou similar.

Ao contrário, supondo-se que estes serviços possam eventualmente não ser jamais prestados, pois como ocorre com qualquer empresa no ramo de seguro, a lucratividade do investimento está determinada por uma relação atuarial entre o valor dos pagamentos recebidos e a freqüência com que é demandada a empresa ao pagamento dos custos e riscos segurados.

Assim, quem presta o serviço de assistência médica e hospitalar é o médico ou o hospital credenciado, porém, nunca a Apelante que não dispõe da habilitação técnica ou profissinal para tanto adequada.

A Apelante é, tão somente, responsável pelo pagamento que assumiu pelo contrato firmado com o cliente.

 (…)

A atividade da Apelante – cobertura de custos de assistência médica hospitalar – caracteriza-se pela celebração do nítido contrato de seguro, do tipo seguro saúde, previsto nos arts. 129 e 130, do Decreto-Lei n° 73, de 21.11.66, robustecido pelo documento fornecido pela SUSEP.

Obriga-se a Apelante a indenizar o associado ou cliente do prejuízo resultante de riscos futuros, previstos no contrato, 

preenchendo, pois, integralmente, a definição legal, doutrinária e jurisprudencial de contrato de seguro.

O contrato é aleatório e não comutativo. Enquanto as taxas ou mensalidades são devidas pela mera celebração do contrato, o risco situa-se no campo de mera possibilidade de vir a ser devido, se ocorrido o evento previsto no contrato.  É cediço que, para o segurador, só a soma de prêmios é que permite uma contrapartida equivalente:  o prêmio, em verdade, isoladamente considerado não é cifra de compensação, senão tida em seu conjunto pela dispersão das probabilidades de ocorrência de eventos, só estatisticamente previsíveis e atuarialmente estimáveis…

Configurando, irreprochavelmente, a atuação da Apelante típica atividade securitária, da espécie, seguro-saúde, não está ela submetida ao I..S.S. e, por isto, não está sujeita à competência tributária do Município, ex vi dos arts. 21, VI e 24, II da Constituição Federal.(…)” (grifamos) (STF, 1ª Turma, RE 115308/RJ, Relator Min. Néri da Silveira, j. 17-5-88, DJ 01-07-88, Ement. Vol. 01508-09 pg 01988. Recorrente: Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro;  Recorrida:  AMIL – Assistência Médica Internacional Ltda. obs.: consta do SITE do STF)

 

Vê-se, pois, que sempre houve ressalva à afirmação genérica e sem fundamento de que as “todas as seguradoras são constituídas sob a forma de sociedades anônimas”.

 

A autarquia que cuida da Previdência Social adota o termo “seguro” em sua denominação, sem equívoco ou censura a ser feita (INSS-Instituto Nacional do Seguro Social) ante o que decidido pelo Supremo Tribunal Federal.

 

                       As entidades fechadas de previdência privada, portanto, podem também ser consideradas seguradoras lato sensu e o parágrafo único do art. 1° da Lei n° 6.435/77 atesta esse fato ao chamar o “participante” de “segurado”, quando 

diz: Para os efeitos desta Lei, considera-se participante o associado, segurado ou beneficiário incluído nos planos a que se refere este artigo.

 

Entidades de previdência complementar, portanto, são seguradoras, porque qualquer contrato onde haja pré-pagamento, para cobertura de riscos futuros e incertos, é contrato de “seguro”, segundo o Supremo Tribunal Federal, independentemente da forma pela qual está constituída a empresa que o opere.

Adiantamos nosso entendimento de que as entidades abertas de previdência complementar  sem fins lucrativos, que foram constituídas sob a forma de “sociedades civis sem fins lucrativos” antes da entrada em vigor do novo Código Civil de 2002  eram e são, atualmente,  “pessoas jurídicas” sui generis, regradas por leis próprias, específicas, que demarcam os direitos e obrigações dos que participam dos planos (participantes) e dos que administram a sociedade (controladores), principalmente quanto à administração, designação de diretoria e responsabilidade dos que eram chamados de associados controladores e privilégios dos chamados associados participantes e que não se submetem a  todas disposições legais da  Lei n 10.406/02, por não quadrarem com todos os conceitos pertinentes às pessoas jurídicas de direito privado ali definidas, tais como associações ou sociedades.

 

Caso seja de mister  se aproveitar a terminologia do novo Código Civil para designar as entidades abertas de previdência complementar  sem fins lucrativos, o de que discordamos,  certamente haverá divisão na doutrina, porquanto, sejam consideradas “associações” ou “sociedades”, serão as entidades de previdência privada sempre sui generis, especiais, com regramentos próprios, pela ausência da finalidade lucrativa – própria às sociedades tal como definidas no Código Civil  de 2002 – e por terem regras especiais quanto a direitos e obrigações dos associados, mormente quanto à governança – o que as distinguem das “associações” de que trata a Lei n° 10.406/02.  Quanto a esse último aspecto, impossibilidade de quadrarem no conceito de “associação” inserto no Código Civil de 2002, dependerá mais da interpretação que se der aos arts. 55 e 59 daquele diploma legal, conforme, oportunamente, o demonstraremos.

 

2.1 – EVOLUÇÃO LEGISLATIVA

 

As entidades de previdência privada, ou Montepios, necessitavam de autorização específica do Poder Público (art. 20 do Código Civil de 1916) e estavam previstas dentro no capítulo do seguro, no art. 1.466 do Código Civil de 1916, que regrava o seguro mútuo com dizer, ipsis verbis:

 

 

CÓDIGO CIVIL DE 1916

 

“Art. 1466. Pode ajustar-se o seguro, pondo certo número de segurados em comum entre si o prejuízo, que a qualquer deles advenha, do risco por todos corrido.

Em tal caso o conjunto dos segurados constitui a pessoa jurídica, a que pertencem as funções de segurador.”

 

PONTES DE MIRANDA, ao comentar o disposto no art. 1.466 do  Código Civil de 1916,   leciona que o “segurado” de sociedade de seguro mútuo é “sócio” da seguradora, e usa do termo “sócio”  porque o Código Civil de 1916  não distinguia  “sócio”  de “associado”:

“…Não se pode dizer que, nas empresas de seguro mútuos, os segurados sejam os próprios seguradores;  MAS VERDADE É QUE O SEGURADO JÁ ESTÁ INCLUSO NA COLETIVIDADE SOCIAL.  Todavia, é preciso que não se confundam os seguros feitos em sociedades cooperativas e os seguros mútuos.  Naquelas, o seguro pode ser feito pela cooperativa, sem que resulte da própria entrada do sócio.  A entrada do sócio não determina o seguro, como se daria no mútuo de seguros.  NO SEGURO MÚTUO, A QUALIDADE DE SÓCIO NÃO É SÓ PRESSUPOSTO NECESSÁRIO, É PRESSUPOSTO SUFICIENTE E DETERMINANTE.”(grifamos).(“Tratado de Direito Privado”, Tomo XLVI, pág.109 e seguintes, ed. Revista dos Tribunais).

 

PONTES DE MIRANDA entende, pois,  ser “obrigatório” pela própria natureza do negócio, que no “seguro mútuo” o “segurado” seja “sócio”, sendo claro, porém que, de acordo com a nova terminologia do  Código Civil de 2002, terá de primeiro ser definido se as entidades abertas de previdência complementar sem fins lucrativos são “sociedades” ou “associações”, para depois, por conseqüência, poderem ser designados os segurados (participantes) de “sócios” ou “associados”, conforme o caso, ou mesmo “simples contratantes de planos previdenciários” em oposição aos reais “associados ou sócios” que controlam as entidades.

 

CLÓVIS BEVILÁQUA, ao comentar o art. 1.466, também ressalta a natureza dúplice do contrato de “seguro mútuo”,  sem fazer distinção, ainda não existente, entre “sócio”  e “associado”, ipsis litteris:

 

“1 – As sociedades de seguros mútuos constituem-se pela reunião de certo número de pessoas, que põem em comum determinado prejuízo, para que a repercussão do mesmo se atenue pela dispersão. (…)

Os sócios são os próprios segurados, e a sociedade considerada em conjunto, a pessoa jurídica, é o segurador.” [grifamos](“Código Civil dos Estados Unidos do Brasil”, décima edição, vol. V, observação ao art. 1.466, pág. 171, Francisco Alves)

 

 No mesmo sentido, J. M. DE CARVALHO SANTOS, in verbis:

“Embora seja a mutualidade a base de todo seguro, o certo é que o seguro mútuo se distingue do seguro de prêmio fixo, PRINCIPALMENTE PORQUE OS SÓCIOS CONSIDERADOS INDIVIDUALMENTE SÃO OS SEGURADOS, enquanto que esses mesmos sócios, considerados em conjunto, formam a pessoa jurídica, que é o segurador.“ [grifamos] (“Código Civil Brasileiro Interpretado”, vol. XIX, pág. 381/2, 12ª ed., Freitas Bastos)

 Razão  assiste a PONTES DE MIRANDA  ao concluir com o alerta quanto à necessidade de o segurado continuar na sociedade de  seguro mútuo sob pena de perder a cobertura do seguro, ipsis verbis:

 

“Os figurantes, nos seguros mútuos, de certo modo se seguram a si mesmos.  Somente têm cobertos os riscos a que se refere  o contrato de seguro, enquanto fazem parte da entidade mutualistica.  Dissemos “de certo modo”; porque tal correlação é apenas econômica e social:  nenhum dos sócios é segurador.”(grifei. Ob.cit., pág. 115, §4.991)

 

O problema será, pois, definir como – perante o novo Código Civil de 2002 – o “segurado”, atualmente chamado de “participante”, continuará vinculado à entidade, id est, se será: “sócio”, “associado” ou “simples contratante de plano”.

Sendo certo, porém, que tal fato foi um  pouco mitigado com a publicação da Lei n° 6.435/77 que permite às entidades fechadas de previdência privada, que são sem fins lucrativos, serem também constituídas sob a forma de “fundação”, o que afasta, neste caso, a figura do “sócio” ou “associado”.

 

2.2  – CRESCIMENTO DAS EAPC SEM FINS LUCRATIVOS  E NECESSIDADE DE IMPOSIÇÃO DE DIREITOS E OBRIGAÇÕES DIFERENCIADOS PARA SIMPLES PARTICIPANTES DE PLANOS E ASSOCIADOS CONTROLADORES

 

 Como visto acima,  as qualidades de “sócio” ou “associado” (conforme o que entender o intérprete) e “segurado” são obrigatórias e intrínsecas ao contratante de “seguro mútuo”, de tal sorte que não podem existir isoladamente sem que, com tal,  se desnature o próprio contrato, todavia, pela evolução das referidas entidades de previdência privada sem fins lucrativos e o grande número de segurados que granjearam, foi mister alterar a legislação, para que não se tivesse, exempli gratia, de se realizar uma “assembléia com um milhão de pessoas” – pois que há entidade que ultrapassou essa marca em número de segurados e outras que não ficaram longe disso.

Assim, o mutualismo que permitia cobrar dos associados eventual diferença que faltasse ao cumprimento dos compromissos assumidos (pagamento de benefícios), foi substituído por sistema onde os simples participantes de planos previdenciários não possuiam nenhum poder de controle sobre a entidade e também não respondiam pelos déficits porventura existentes, além de possuírem “direito creditório privilegiado em caso de liquidação da pessoa jurídica”;  ao passo que os controladores” respondiam civil e criminalmente pelo insucesso da entidade, inclusive com indisponibilidade dos bens que possuíssem.  Com isso os participantes de planos previdenciários se aproximaram muito mais da figura de “simples contratantes” que de “sócio”  ou “associado”, pelo total descomprometimento com as decisões tomadas pelas entidades e pelo sucesso ou insucesso destas.  Ao parecer, o “corporativismo”, próprio às associações segundo a tese esposada entre outros por PONTES DE MIRANDA, somente existiria nas entidades abertas de previdência complementar sem fins lucrativos quanto aos “associados fundadores e controladores” que pré-existem à personificação da entidade (o grupo de pessoas que já estava unida por ideais e ou outros laços significativos e resolveu criar a entidade).

 

2.3 –           LEI N° 6.435/77 E  DECRETO N° 81.402/78,  DEFINEM A FORMA DE ORGANIZAÇÃO DAS ENTIDADES DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR COMO  SOCIEDADES CIVIS ESPECIAIS

 

Foi com esse entendimento que as antigas “sociedades de seguro mútuo”, “sociedades de montepio”, ou simplesmente “montepios” ganharam legislação própria (Lei n° 6.435/77, Decreto 81.402/78 e Decreto n° 81.240/78 entre as principais normas) e outro nomem iuris (“entidades de previdência privada”), sendo-lhes aplicáveis, tal como agora, só em caráter subsidiário a legislação de seguros (rectius, dos demais ramos de seguro, pois que previdência privada é também “seguro”), por força do disposto no art. 10 da Lei 6.435/77 e art. 9° do Decreto n° 81.402/78.

 

Os elementos que caracterizam as seguradoras de seguro mútuo (atuais entidades de previdência complementar do art. 77, § 1° da Lc 109/01) e as diferenciam das demais seguradoras subsistiram na Lei 6.435/77 e no Decreto n° 81.402/78, ou seja, pelas  normas posteriores ao Código Civil de 1916 ficou consignado, também, que as entidades de previdência privada abertas sem fins lucrativos dependiam de autorização para funcionar (art. 2° da Lei 6.435/77, c/c art. 17 do Decreto n. 81.402/78, e atual art. 1.123 da Lei 10.406/02 – novo Código Civil) e que os “segurados” (chamados de “participantes”) eram também “associados” ou “sócios” (cf, arts. 1°, parágrafo único: “Para os efeitos desta Lei, considera-se participante o associado, segurado ou beneficiário incluído nos planos a que se refere este artigo  e  85 da Lei n° 6.435/77 art. 14 do Decreto 81.402/78 e art. 1.466, in fine, do Código Civil de 1916).

 

Muitas alterações feitas pela Lei n° 6.435/77 e Decreto n° 81.402/78 tiveram o condão apenas de  confundir a doutrina quanto à natureza jurídica do contrato, tais como:  a de se alterar o nome de “seguro”  para “plano previdenciário”;  de  “segurado” para “participante;  de “prêmio”  para “contribuição”;  e, entre as alterações que pouco acresceram se inclui a alteração do próprio nome das “seguradoras de seguro mútuo” para “entidades de previdência privada.”

No entanto, muitas modificações importantes foram feitas, tais  como as referentes às disposições do art. 1.468 do Código Civil de 1916, onde havia possibilidade de os “segurados” se quotizarem pela diferença, no caso de pagamento de prêmios fixos não  cobrirem a importância dos riscos verificados, responsabilidade essa que foi substituída, pois que pela legislação que se seguiu (Lei 6.435/77, Decreto n° 81.402/78 e Lei Complementar n° 109/01) somente o patrimônio da entidade e dos que a administram possuem responsabilidades quanto a eventual diferença.

A tentativa de se ver nos antigos planos de “renda” oferecidos pelas entidades de previdência complementar diferença entre “previdência privada” e “seguro” não resiste à análise mais profunda, pois, o contrato de “renda” já existia no Código Civil de 1916 e também o seguro para recebimento em vida (“renda”, art. 1.424;  e “seguro dotal”, no art. 1.471, in fine do Código Civil).  PONTES DE MIRANDA (“Tratado de Direito Privado, Tomo 46, § 4.959, p. 10, item 3., 3ª ed. RT, 1984), nesse aspecto, com acerto, explica que se o contrato de “renda” cobre algum risco sobre a vida do contratante (inclusive o “risco de sobrevivência a determinado período”, onde há presumivelmente diminuição da capacidade laborativa)  não se trata de contrato de “renda” e sim de “seguro dotal”.   Nesse sentido o RE n° 115.308-3/RJ que será ao diante transcrito.

Pela segurança que os segurados (“participantes”) que apenas participam do seguro/plano previdenciário e não administram ou controlam a  seguradora (“entidade de previdência privada”) ganharam de não concorrerem com quotas para cobrir eventual insucesso financeiro e pela responsabilidade civil e criminal que os “segurados administradores/controladores” assumiram pela nova legislação, claro ficou que não seria de mister nas decisões uma “assembléia geral de todos os participantes” (isso se fossem estes tidos por “sócios” ou “associados”), o que estampado na redação dada aos arts. 30 da Lei 6.435/77 e  art. 14  e 38 do Decreto n° 81.402/78, que dizem, ipsis litteris:

LEI 6.435/77

Art. 30. Os estatutos das entidades abertas, sem fins lucrativos, ao disciplinarem a forma de sua administração e controle, estabelecerão distinção expressa entre associados controladores e simples participantes dos planos de benefícios.

§ 1º. Associados controladores, para os efeitos desta Lei, são os integrantes de colegiados, obrigatoriamente instituídos, compostos de número ímpar e integrados de, no mínimo, 9 (nove) membros, todos pessoas físicas, com poderes normativos de fiscalização e de controle, especialmente os de estabelecer a política operativa, de designar a diretoria e de dispor, em instância final, do patrimônio da entidade.

§ 2º. Os associados controladores, mesmo que não exerçam diretamente funções de diretores, serão solidariamente responsáveis pelos atos ilegais ou danosos praticados, com o seu consentimento, pelo próprio colegiado ou pela diretoria da entidade.

 

DECRETO 81.402/78

 

“Art 14 – Quando se tratar de entidade aberta de previdência privada sem fins lucrativos, será observado:

I – constituição sob a forma de sociedade civil sem fins lucrativos, com os seguintes requisitos:

a) o grupo organizador será constituído de, no mínimo, nove pessoas físicas, com os poderes e responsabilidades dos associados controladores;

b) os primeiros associados, em número mínimo de mil, constituirão a categoria de sócios fundadores (…);

 

Pelo art. 30 da Lei n° 6.435/77 ficou claro que aos “associados controladores” foi cometido o poder de  “designar a diretoria” da entidade, ou seja, não é feita “assembléia geral de todos os participantes” para esse fim e sim “assembléia de associados controladores”, nem sequer é dito pelo referido artigo que os “participantes são associados” (embora se possa concluir nesse sentido pela redação dada ao art. 85), pelo contrário, faz-se questão de enfatizar que são “simples participantes dos planos de benefícios”, porquanto não se usou do termo associados (ficaria “…simples associados participantes…”)  como anteriormente para controladores.

 

Já pelo art. 14 do Decreto n° 81.402/78 pode-se notar que permanece a distinção entre “controladores” e simples “participantes” de planos previdenciários – distinção essa que deve constar dos estatutos das entidades (“Art. 38 – Os estatutos das entidades abertas sem fins lucrativos estabelecerão distinção entre associados controladores e simples participantes dos planos de benefícios”), bem como naquele artigo ficou claro, pela redação dada à alínea “b”, que todos são “associados” (“…os primeiros associados…”) ou “sócios” (“…constituirão a categoria de sócios fundadores.”).

 Chamamos a atenção, porém, para o fato de que o Decreto não pode inovar e ultrapassar a lei, id est, onde a lei não disse que todos são “associados” não pode o Decreto dizer, pois regular não é o mesmo que criar direitos, tudo dependerá, pois, da interpretação que se der também ao parágrafo único do art. 1° e art. 85 da Lei n° 6.435/77 que também faziam menção a “associados”.  Para nós a redação é suficientemente clara para dispor que todos são integrantes da pessoa jurídica (“sócios” ou “associados”, segundo o que se entender), mas com direitos e obrigações necessariamente diferenciados.

Outrossim, aqui já se destaca a inexistência, à época, de distinção entre os termos “associado” e “sócio”, que o Decreto n° 81.402/78 toma como sinônimos, pela utilização dos dois termos no mesmo artigo indistintamente e que o Código Civil de 1916 – e mesmo o Código Comercial – também toma por sinônimos.

Nesse sentido, MANUEL SEBASTIÃO SOARES PÓVOAS, com propriedade, diz, in verbis:

“As entidades abertas sem fins lucrativos têm a forma jurídica de sociedade civil ou mais especificadamente, de sociedade mútua. 

(…)

“Tal como definidos, os sócios controladores pareciam esgotar a categoria dos sócios da sociedade civil, não fosse o caso do decreto regulamentar, no citado art. 14, estabelecer que os primeiros mil associados constituirão a categoria de sócios fundadores.

Esta disposição não deixa dúvidas de que a sociedade civil é uma sociedade mútua, pois diz textualmente que “os primeiros associados, em número de mil constituirão a categoria de sócios fundadores” o que pressupõe que todos os participantes são associados, e mais do que isso, que a sociedade tem que ter um mínimo de mil associados.”[grifei] (“Previdência Privada”, pág. 234/235, ed. FUNENSEG, 1985)

 

Enquanto os simples participantes gozavam e gozam de créditos privilegiados em caso de liquidação extrajudicial (§ 2°, do art. 67 da Lei 6.435/77; e § 3°, do art. 50 da Lc n° 109/03)), pelo art.  71 da Lei n° 6.435/77 (e art. 59 da LC n° 109/01):  “Os administradores e membros de conselhos deliberativos, consultivos, fiscais ou assemelhados, das entidades de previdência privada sob intervenção ou em liquidação extrajudicial, ficarão com todos os seus bens indisponíveis, não podendo, por qualquer forma, direta ou indireta, aliená-los ou onerá-los, até apuração e liquidação final de suas responsabilidades.”, o que justifica o tratamento diferenciado também quanto à direção da entidade, in casu os poderes cometidos aos “associados controladores” para designar diretoria.

 

Verdade seja que, por ser da natureza do contrato de “seguro mútuo” (art. 1.466 do Código Civil de 1916) que o “segurado” seja “sócio” (pelo novo código civil de 2002 será “associado” ou “sócio” segundo o entendimento doutrinário adotado) da seguradora, e tendo inclusive a boa doutrina afirmado que “somente haverá cobertura do seguro enquanto o segurado gozar da qualidade de ´sócio´ ou ´associado´”, a ninguém será lícito argüir que a legislação societária mais adequada a regrar as entidades de previdência privada sem fins lucrativos seja a Lei das Sociedades Anônimas, que desconhece a figura do “associado” ou “sócio” participante.

ORGANIZAÇÃO COMO SOCIEDADES CIVIS ESPECIAIS

Com eficácia de lei complementar, por força do inciso II, do art. 192 (antes da EC n° 40/03) e 202 da Constituição Federal, portanto, a Lei n° 6.435/77 regrou a “constituição, organização e funcionamento” dos estabelecimentos de previdência complementar e dispôs que as entidades abertas de previdência complementar sem fins lucrativos seriam “sociedades civis especiais” (pois deviam obedecer regras não comuns a todas as “sociedades civis do Código Civil de 1916”), em bastos artigos, entre os quais destacam-se os abaixo que grifamos:

“Art. 4° Para os efeitos da presente Lei, as entidades de previdência privada são classificadas:

I – de acordo com a relação entre a entidade e os participantes dos planos de benefícios, em:

a) fechadas, quando acessíveis exclusivamente aos empregados de uma só empresa ou de um grupo de empresas, as quais, para os efeitos desta Lei, serão denominadas patrocinadoras;

b) abertas, as demais.

II – de acordo com seus objetivos, em:

a) entidades de fins lucrativos;

b) entidades sem fins lucrativos. (…)

 

“Art. As entidades de previdência privada serão organizadas como:

I – sociedades anônimas, quando tiverem fins lucrativos; 

 

II – sociedades civis ou fundações, quando sem fins lucrativos.

Da Autorização para Funcionamento

“Art. 11. A autorização para funcionamento de entidade aberta será concedida mediante portaria do Ministro da Indústria e do Comércio, a requerimento dos representantes legais da interessada.

Concedida a autorização, a entidade terá o prazo de 90 (noventa) dias para comprovar, perante o órgão Executivo do Sistema Nacional de Seguros Privados, o cumprimento de formalidades legais e outras exigências.

A falta da comprovação a que se refere o parágrafo anterior acarretará a caducidade automática da autorização para funcionamento.

  1. 12. Aprovada a documentação apresentada em decorrência das disposições do artigo anterior, será expedida carta-patente pelo órgão executor do Sistema Nacional de Seguros Privados.
  2. 17. Os participantes dos planos de benefícios que sejam credores destes têm privilégio especial sobre reservas técnicas, fundos especiais ou provisões garantidoras das operações.

 

  1. 30. Os estatutos das entidades abertas, sem fins lucrativos, ao disciplinarem a forma de sua administração e controle, estabelecerão distinção expressa entre associados controladores e simples participantes dos planos de benefícios.

1° Associados controladores, para os efeitos desta Lei, são os integrantes de colegiados, obrigatoriamente instituídos, compostos de número ímpar e integrados de, no mínimo, 9 (nove) membros, todos pessoas físicas, com poderes normativos de fiscalização e de controle, especialmente os de estabelecer a política operativa, de designar a diretoria e de dispor, em instância final, do patrimônio da entidade.

2º Os associados controladores, mesmo que não exerçam diretamente funções de diretores, serão solidariamente responsáveis pelos atos ilegais ou danosos praticados, com o seu consentimento, pelo próprio colegiado ou pela diretoria da entidade.

  1. 31. Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, as entidades abertas, sem fins lucrativos, poderão remunerar seus diretores e membros de conselhos deliberativos, consultivos, fiscais ou assemelhados, desde que respeitadas as exigências estabelecidas no artigo 23.

Parágrafo único. No caso de acumulação de funções, a remuneração corresponderá apenas a uma delas, cabendo opção.

  1. 32. Nas entidades abertas, sem fins lucrativos, as despesas administrativas não poderão exceder os limites fixados, anualmente, pelo órgão normativo do Sistema Nacional de Seguros Privados.

Quer se as tratem de “sociedades civis especiais” quer de  “associações especiais” pela definição do Código Civil de 2002, o que é certo é que lhes devem ser respeitadas  as regras  próprias às entidades abertas de previdência complementar sem fins lucrativos previstas na Lei n° 6.435/77, pois é  daquelas que resulta a “organização de sociedade civil” a que se refere o § 1° do art. 77 da Lei Complementar da Lei Complementar n° 109/01 que permite a continuidade dessa organização especial.  Principalmente, deverão sempre ser observadas as distinções entre “associados controladores” (que designam a diretoria e respondem com os próprios bens ao insucesso da atividade) e simples participantes de planos previdenciários (que possuem crédito privilegiado quanto à reserva do plano de benefício e não respondem pelo insucesso da atividade), constantes entre outros dos arts. 17 e 30 acima mencionados.

 

2.3.1 – LEI N° 6.435/77 E SUA EFICÁCIA DE LEI COMPLEMENTAR

INCISO II, DO ART. 192 E ART. 202 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

 

A Lei n° 6.435/77, que regrou a organização, funcionamento e atividades das entidades abertas   e fechadas de previdência complementar é lei ordinária com eficácia de lei complementar a partir de 1988, pois que o art. 192 da Constituição Federal, em seu inciso II (antes da Emenda Constitucional n° 40/03) previa que “lei complementar” (caput) disporia sobre “autorização e funcionamento dos estabelecimentos de previdência e capitalização”.

O Código Civil de 2002 foi publicado em 2001, e começou a viger em 2002, antes da Emenda Constitucional n° 40/03, razão pela qual o texto do inciso II, do art. 192 da Constituição Federal estava em pleno vigor e deixava sem nenhuma possibilidade de dúvida ao intérprete a certeza de que a “lei geral ordinária” não poderia regrar aquilo que era cometido constitucionalmente à “lei complementar especial” e regrado por esta.

Mesmo após a Emenda Constitucional n° 40/03, que modificou o art. 192 da Constituição Federal  – e revogou o inciso II – persiste a necessidade de “lei complementar” (“art. 192. O sistema financeiro nacional…será regulado por leis complementares…”) para regular o sistema financeiro nacional, no qual estão insertas as entidades de previdência complementar. 

 

Também o art. 202 da Constituição Federal deixa claro ser necessário lei complementar para regular o “regime de previdência privada” o que, mais uma vez, enfatiza a eficácia de lei complementar atribuída à Lei n° 6.435/77.

 

2.3.2 –                  PESSOAS JURÍDICAS SUI GENERIS

                             “SOCIEDADES CIVIS ESPECIAIS” E

                       NÃO APENAS  “SOCIEDADES CIVIS” ATÉ 2002

 

As entidades de previdência privada sem fins lucrativos, que são simples evolução das seguradoras de “seguro mútuo” – cujo contrato era previsto no art. 1.466 do Código Civil de 1916 são, pois,  estruturadas de tal forma que o proponente, tão logo seja aceita a proposta  de ingresso em plano previdenciário, passa a gozar da condição de “sócio ou associado” (art. 14, “b” do Decreto 81.402/78) e ganha o nome de “participante” (art. 1° da Lei 6.435/77 e art. 8° da Lei Complementar n° 109/01), havendo categorias diferenciadas de associados (os simples “participantes”, que só participam de planos previdenciários; e os “controladores” – que participam dos planos previdenciários e controlam a entidade).

 

Isso as torna pessoas jurídicas sui generis que não quadram com nenhum dos tipos previstos no Código Civil de 2002, em especial as regras que lhe são próprias não frisam com a totalidade das que regem as “associações”, bem como a ausência de finalidade lucrativa também faz com que não possam se encaixar perfeitamente no conceito de “sociedade” prevista no Código Civil, quer simples, quer empresária, nada obstante a “atividade econômica” exista.

 

A menção feita pelo § 1° do art. 77 da Lc n° 109/01, de que permitida a manutenção como “sociedades civis” não remete, pois, ao Código Civil de 1916 e sim à Lei n° 6.435/77.  O termo “civil” aí utilizado era próprio da distinção feita entre “sociedades civis” e “sociedades comerciais”, sendo que só o seguro marítimo era tido por “comercial”.

 

2.4  –                        LEI COMPLEMENTAR N° 109/01

 

Em atenção ao caput e inciso II, do art. 192 da Constituição Federal (antes da Emenda n° 40/03) que previa a necessidade de lei complementar para disciplinar as entidades de previdência privada e as suas atividades, bem como em atenção ao art. 202 da Carta Magna que dispunha que o “regime de previdência privada” (redação dada pela Emenda Constitucional n° 20/98) seria regulado por lei complementar, foi promulgada a Lei Complementar n° 109/01.

 

A Lei Complementar n° 109/01, quanto às entidades abertas de previdência complementar sem fins lucrativos, expressamente, no § 1° do art. 77 permitiu que continuassem organizadas na forma da Lei n° 6.435/77 e Decreto n° 81.402/78 e, no seu art. 79,  revogou a Lei n° 6.435/77.

 

Dispõe a Lei Complementar n° 109/01 nos seus arts. 73, c/c § 1°, do art. 77 e art. 79, in verbis:

 

 

LEI COMPLEMENTAR N° 109/01

 

“Art. 73. As entidades abertas serão reguladas também, no que couber, pela legislação aplicável às sociedades seguradoras.”

 

“Art. 77. (…)

§ 1º No caso das entidades abertas sem fins lucrativos já autorizadas a funcionar, é permitida a manutenção de sua organização jurídica como sociedade civil, sendo-lhes vedado participar, direta ou indiretamente, de pessoas jurídicas, exceto quando tiverem participação acionária:”

 

Art. 79. Revogam-se as Leis nº 6.435, de 15 de julho de 1977, e nº 6.462, de 09 de novembro de 1977.

 

É importante frisar que os artigos que tratam das entidades sem fins lucrativos  foram acrescidos às pressas, por haverem sido esquecidas pelo legislador que somente curou de legislar para as entidades abertas com fins lucrativos e para as entidades fechadas (cf art. 36 da Lc n° 109/01).

 

 

2.4.1 –         PARÁGRAFO 1°, DO ART. 77, DA LC N° 109/01

MANTÉM ORGANIZAÇÃO DAS ENTIDADES ABERTAS DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR SEM FINS LUCRATIVOS

 

Quanto a tese que alguns juristas sustentam na tentativa de forçar as entidades abertas de previdência complementar a se transformarem, obrigatoriamente, em sociedades anônimas, lembramos, pelo acima transcrito, que a Lei Complementar n° 109/01 permitiu às entidades abertas de previdência complementar sem fins lucrativos mantivessem sua organização jurídica como sociedades civis, o que seria impossível de se atender se a legislação aplicável fosse a Lei de Sociedades Anônimas (Lei 6.404/76), pois que esta, em seu art. 2°, diz:. “Pode ser objeto da companhia qualquer empresa de fim lucrativo, não contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes.”  O atual Código Civil, Lei n° 10.406/02, por sua vez, considera as “sociedades” por si sós com finalidade lucrativas, o que mantém afastada a hipótese de incidência mesmo quanto à legislação atual, conforme faremos ver pela ausência de finalidade de lucro das entidades.

 

2.4.2 –                          ART. 79 DA LC N° 109/01.

         “AB-ROGAÇÃO” OU “DERROGAÇÃO” DA LEI N° 6.435/77?

 

Quem lê, isoladamente e de fugida, o que dispõe o art. 79 da Lc n° 109/01 não tem dúvidas quanto à revogação total (ab-rogação) da Lei n° 6.435/7 – pela forma usualmente adotada para tanto (“Revogam-se as leis n° 6.435…”), sendo que esta  era a lei que dispunha sobre a organização das entidades abertas de previdência complementar sem fins lucrativos como sociedades civis especiais. (nas alíneas “b” dos incisos I  e II, do art. 4°, c/c inciso II do art.  5°, arts. 11 a 15,   e  arts. 30 a 33)

Mesmo em nosso parecer anterior, julgamos desnecessário abordar o tema em profundidade, pois que o  § 1° do art. 77 da Lei Complementar n° 109/01,  somado às disposições do Decreto n° 81.402/78, nos pareciam suficiente a ilidir qualquer possibilidade de incidência do Código Civil de 2002.  Em que pese ainda pensarmos do mesmo modo, entendemos  também deva melhor observado o disposto no art. 79 da Lc n° 109, face o contido no § 1° do art. 77 e as regras básicas de hermenêutica.

 

Como interpretar Lei é antes que tudo verificar se a norma está de acordo com o ordenamento jurídico vigente, não se pode interpretar o art. 79 da Lei Complementar n° 109/01 sem lembrar da remissão que o § 1° do art. 77 faz à legislação anterior, ou seja, justamente à lei que a princípio estaria totalmente revogada.

Daí, sem grande esforço, pode-se sustentar a ocorrência de mera derrogação (revogação parcial) da Lei n° 6.435/77 pelo art. 79 da Lei Complementar n° 109/01 e não sua ab-rogação (revogação total), por necessidade de o intérprete entender vigentes  as normas que estruturam as entidades abertas de previdência privada sem fins lucrativos como “sociedades civis”,  id est, Lei n° 6.435/77 (as alíneas “b” dos incisos I  e II, do art. 4°, c/c inciso II do art.  5°, arts. 11 a 15,   e  arts. 30 a 33) e Decreto n° 81.402/78 (arts. 14 a 21 c/c arts. 38 a 40), como que integradas na Lei Complementar n° 109/01 e com eficácia de leis complementares.

 

2.4.3 – AS REGRAS DE SAREDO SOBRE REVOGAÇÃO DAS LEIS

INTEGRAÇÃO DAS NORMAS PERTINENTES À SOCIEDADE CIVIL

AO § 1° DO ART. 77 DA LEI COMPLEMENTAR N° 109/01

                       

EDUARDO ESPÍNOLA (“Tratado de Direito Civil Brasileiro, vol. II, “Da Lei e da Sua Obrigatoriedade. Do Direito Intertemporal”,  p. 124, 134/136 2ª ed., Freitas Bastos, 1939) após elucidativas lições sobre o tema “revogação da lei”, e sempre com a precisão técnica que lhe era própria chamando de “ab-rogação” à revogação total, traz à lembrança as 10 regras de quem considera “uma das maiores autoridades em assuntos concernentes à elaboração, atuação e revogação das leis, GIUSEPPE  SAREDO, que em seus estudos (“Abrogazione delle Leggi”, n. 127-128, in Digesto Italiano, vol. 1, 1ª parte, 1927, pág. 135) sugere deva o intérprete observar quanto ao tema “Revogação das Leis”.  Pela especialidade do jurista consagrado e aplicação ao caso ora em apreço, faz-se mister transcrever a primeira, segunda, terceira, oitava e, especialmente, a nona, das regras que criou sobre interpretação, o que abaixo fazemos:

 

REGRAS DE GIUSEPPE  SAREDO:

“1ª A abrogação da lei não se presume.

2ª No silêncio do legislador, deve presumir-se que a lei nova pode conciliar-se com a lei precedente.

3ª Podem deduzir-se de uma lei abrogada os critérios nela contidos, para explicar a lei nova, quando compatíveis com esta.

(…)

8ª Um artigo de lei pode sobreviver a todo o resto de uma lei abrogada.

9ª  Quando uma lei se refere, para sua sanção, a outra lei, se esta é abrogada, ficam, todavia, em vigor as suas disposições, a que a lei vigente se referiu, porque se consideram como parte integrante da lei em vigor.

10ª (…)

 

Como a “abrogação da lei não se presume” e “um artigo de lei pode sobreviver a todo o resto de uma lei abrogada”, e, principalmente pela aplicação, a preceito, da nona regra de SAREDO ao caso vertente, onde o § 1° do art. 77 da Lc n° 109/01 fez remissão a artigos da Lei n° 6.435/77 e do Decreto n° 81.402/78 (e mesmo do Código Civil de 1916) que dispunham sobre a “organização das entidades abertas  de previdência complementar sem fins lucrativos”, mesmo que “revogada a lei n° 6.435/77” (ou mesmo o Código Civil de 1916) por lei posterior, ficariam em vigor os artigos que foram incorporados à Lc n° 109/01, por remissão feita pelo § 1° do art. 77 desta.

 

Por força do que disposto no § 1° do art. 77 da Lc n° 109/01, que permite às entidades abertas de previdência complementar permanecerem com a organização jurídica que possuíam, o que era dado pelas alíneas “b” dos incisos I  e II, do art. 4°, c/c inciso II do art.  5°, arts. 11 a 15,   e  arts. 30 a 33 da Lei n° 6.435/77 e  arts. 14 a 21 c/c arts. 38 a 40 do Decreto n° 81.402/78, tem-se de ter referidos artigos  por vigentes, eficazes e  “integrados ao § 1° do art. 77 da Lc n° 109/01”.  Se lei posterior que revogasse a Lei n° 6.435/77 não poderia atingir os artigos integrados ao § 1° do art. 77 da Lc n° 109/01, com tanto mais razão o artigo 79 desta mesma  lei complementar ao dizer que “revogou a lei n° 6.435/77” deve ser lido com a mesma ressalva, pois os artigos devem ser interpretados de maneira a que se aproveitem todos.

 

Esses pequenos erros legislativos são, a revezes, encontrados na própria lei complementar n° 109/01 que, e.g., em seu art. 36, diz que  “as entidades abertas são constituídas unicamente sob a forma de sociedades anônima” para, depós, no próprio § 1° do art. 77, ressalvar a existência das entidades abertas sem fins lucrativos sob a forma de sociedades civis.  Ora a mesma regra de interpretação da Lei Complementar n° 109/01, que determina, pela ressalva feita pelo § 1° do art. 77, seja mitigado o preceito do  art. 36 que era enfático (“…unicamente…”) quanto a impossibilidade de existência de entidade aberta sob outro tipo de pessoa jurídica, deve ser utilizado como “regra de interpretação autêntica” e pode, perfeitamente e a fortiori, ser estendida como “mitigação também da regra geral de ´revogação´ inserta no art. 79 da mesma lei”.

 

A simples remissão feita pelo § 1° do art. 77 da Lei Complementar n° 109/01 à continuidade da organização das entidades abertas de previdência complementar como sociedades civis, portanto, corresponde, por si só, à integração à Lei Complementar n° 109/01 de todos os artigos que tratam da organização das entidades sem fins lucrativos como se ali fielmente transcritos.

 

Somente lei complementar, pois, em atenção ao que disposto no inciso II do art. 192 e art. 202 da Constituição Federal, é que pode alterar tais dispositivos referentes ao “funcionamento e organização de estabelecimento de previdência”.

 

Daí estar correta a Resolução CNSP n° 53/01, que simplesmente tornou explícita a integração implícita,  quando diz que  as entidades abertas de previdência complementar sem fins lucrativos, constituídas como sociedades civis, “poderão continuar operando com a estrutura organizacional administrativa prevista nos estatutos aprovados sob a égide da  lei n° 6.435/77”, i.e., não se limitou à utilizar da terminologia do § 1° do art. 77 da Lei Complementar n° 109/01 que somente menciona que poderão referidas entidades continuar como “sociedades civis”.  Mais que correta, não poderá a Resolução CNSP n° 53/01 ser   alterada nesse aspecto, onde menciona ser permitida às entidades abertas de previdência complementar sem fins lucrativos a manutenção da estrutura prevista na Lei n° 6.435/77, pois se o fizer haverá flagrante ilegalidade.

 

A integração  dos artigos da Lei n° 6.435/77 e Decreto n° 81.402/78 à Lei Complementar n° 109/01 faz com que o corpo jurídico daí resultante seja lido como se fosse uma única lei complementar, como se fosse um único e contínuo texto de lei complementar.

 

2.4.4 –         VIGÊNCIA E EFICÁCIA DO DECRETO N° 81.402/78

                        POR COMPATIBILIDADE COM A LC N° 109/01

 

Ainda quando,  em análise superficial, se tivesse a Lei n° 6.435/77 por inaplicável às entidades abertas de previdência complementar sem fins lucrativos, com o argumento de que está expressamente revogada pelo art. 79 da Lei Complementar n° 109/01, seria mister buscar qual a legislação que está a reger essas entidades (à época da permissão concedida pelo § 1° do art. 77 que, por óbvio, remete à legislação vigente na data da publicação da própria Lc n° 109-01), no que se teria de ter por ainda vigente e eficaz o Decreto de n° 81.402/78, que regulou a Lei n° 6.435/77 e que não foi “revogado” (rectius não “perdeu a eficácia”)  pela Lei Complementar n° 109/01.  A Resolução SUSEP n° 53/01 atesta tal fato em seu art. 2°,  quando diz, verbis:

 

“Art. 2º As EAPC/SFL constituídas como sociedades civis e já existentes na data de início de vigência da Lei Complementar nº 109, de 25 de maio de 2001, poderão continuar operando na forma jurídica original, ficando mantida a estrutura organizacional administrativa prevista nos respectivos estatutos sociais aprovados sob a égide da Lei nº 6.435, de 15 de julho de 1977, no que não venha a colidir com a legislação e a regulamentação em vigor.”

 

Indiferente, pois, será sustentar que o art. 79 da Lei Complementar n° 109/01 revogou apenas parcialmente (“derrogação” e não “abrogação”) a Lei n° 6.435/77, por maneira que permanecem em vigor os dispositivos que tratam da organização das entidades de previdência privada abertas sem fins lucrativos como pessoas jurídicas, ante o que dispõe o § 1° do art. 77 da mesma Lei Complementar n° 109/01, tese essa com a qual concordamos pela integração feita e sustentada no item acima (2.4.3);  ou que o Decreto n° 81.402/78 continua, a todas as luzes, em vigor no que diz com os artigos que tratam da organização societária das entidades abertas de previdência privada sem fins lucrativos (arts. 14 a 21 e 38 a 40), e que teve seus artigos também integrados à lei complementar n° 109/01 e passaram a ter eficácia de lei complementar, tese essa que também defendemos.

 

O art. 73 da Lei Complementar n° 109/01, ao dizer que “as entidades abertas serão reguladas também, no que couber, pela legislação aplicável às sociedades seguradoras” em nenhum momento determinou a aplicação da Lei das Sociedades Anônimas e, por outro lado, não é correto o argumento de que todas as seguradoras são sociedades anônimas, pois que as “seguradoras de seguro mútuo” (in casu, as entidades de previdência privada sem fins lucrativos) são “seguradoras”  e a maioria foi constituída sob a forma de sociedade civil.

 

Lembramos, outrossim, a decisão do Supremo Tribunal Federal no RE 115.308-3/RJ (vide item 2 do presente), que teve por Relator o Ministro NÉRI DA SILVEIRA, onde afirmado que qualquer contrato onde se receba pré-pagamento (prêmio) para utilização futura e incerta (álea) de coberturas (risco coberto) é seguro,  e que uma empresa de “medicina de grupo” que ofereça plano de saúde sob a forma de pré-pagamento está, na realidade, a praticar seguro, independentemente de sua constituição e organização jurídica, o que enfatiza a tese aqui exposta.

 

Como não houve nenhuma outra menção à legislação subsidiária e como a forma de constituição e organização das entidades sem fins lucrativos é dada  pelo Decreto nº 81.402/78 em seus artigos  14 a  21 e 38 a 40, não revogado (e nem o poderia) expressamente pela Lei Complementar nº 109/01, nada obstante possa se ter  a revogação da Lei nº 6.435/77 como total – o que entendemos não tenha ocorrido, por certo que referido decreto continua, quanto a isso, plenamente eficaz, integrado ao texto da lei complementar e, nesse ponto, com eficácia de lei complementar.

 

Importante frisar, como já salientado, que as “entidades abertas sem fins lucrativos” quase que foram esquecidas pelo projeto de lei complementar, vertido na Lei Complementar n° 109/01, razão por que se vêem apenas em dispositivos dispersos (v.g. art. 77) menções a elas, como que se tais artigos destoassem do conjunto e fossem incluídos, às pressas, fora da sistematização obedecida quanto às demais entidades (fechadas e entidades abertas com fins lucrativos). Dito isso, fácil se compreender que eventuais omissões no que entende com as entidades abertas sem fins lucrativos se deram não por intenção do legislador, mas pelo pouco cuidado com que foram tratadas.

 

Também força é ressaltar que a boa doutrina sempre teve por válido e eficaz decreto regulamentador de lei que foi revogada quando compatível com a nova lei.

Como a  Lei Complementar n° 109/01 não  revogou o Decreto n° 81.402/78 (e nem o poderia pelo princípio da “independência entre os Poderes” inserto no art. 2° da Constituição Federal), e, principalmente, pelo sustentado por doutrinadores de escol, entre os quais HELLY LOPES MEIRELLES, na obra sempre citada sobre Direito Administrativo (“Direito Administrativo Brasileiro”, 16ª edição, pág.156, Editora RT), conclui-se que o Decreto n° 81.402/78 está em vigor e eficaz parcialmente (arts. 14 a 21 e 38 a 40), pela remissão feita pelo § 1° do art. 77 da Lc n° 109/01.  Diz o saudoso jurista quanto ao “Decreto Regulamentar ou de Execução”: “Questiona-se se esse decreto continua em vigor, quando a lei regulamentada é revogada e substituída por outra. Entendemos que sim, desde que a nova lei contenha a mesma matéria regulamentada.”, razão pela qual os dispositivos legais aplicáveis às entidades sem fins lucrativos ainda poderão ser considerados vigentes no Decreto n° 81.402/78, em especial os arts. 14 a  21 e 38 a 40, que dizem com a constituição das entidades abertas de previdência privada sem fins lucrativos.

 

Outrossim, pela 9ª regra de SAREDO, mencionada no item 2.4.3, os artigos do Decreto n° 81.402/78 teriam eficácia de lei complementar, por estarem integrados ao § 1° do art. 77 da Lc n° 109/01, o que implica dizer que somente lei complementar poderá revogá-los e nem mesmo o Poder Executivo poderá baixar outro decreto alterando esses dispositivos.

 

Nesse sentido, também, PONTES DE MIRANDA (“Comentários à Constituição de 1967”, pág. 319, Tomo III, Forense, 1987) com dizer que:  “(f) Se a lei foi regulamentada pelo Poder Executivo, pode fazer-se novo regulamento, salvo se o Poder Legislativo já fez lei aquele regulamento, isto é, se editou lei que contenha os dispositivos daquele”. Em outras palavras, se o Poder Legislativo, por força do § 1° do art. 77 da Lc n° 109 editou lei que contém dispositivos do Decreto n° 81.402/78 – os pertinentes à organização das entidades de previdência complementar sem fins lucrativos como sociedades civis, nem mesmo o Poder Executivo, que detém o poder regulamentar, previsto no inciso IV, do art. 84 da Constituição Federal, poderá dispor em contrário, pois seria tal fato ilegal e mesmo inconstitucional (por ofensa aos limites constitucionais que deve ter o decreto regulamentar).

 

Há, ainda, quem  tenha o referido Decreto n° 81.402/78 por “Decreto Independente ou autônomo” (decreto que teve origem na legislação italiana e que a doutrina nacional também diverge sobre a subsistência no Direito Brasileiro após a Constituição Federal de 1988) – na definição dada por HELLY LOPES MEIRELLES (ob. Cit. Pág. 155, in fine), sendo certo que o referido jurista entende que possa subsistir tal decreto em nosso ordenamento jurídico mesmo após a Constituição de 1988  e esse fato – o ser “decreto autônomo” – ratificaria a tese de “não revogação pela Lei Complementar n° 109/01”, mormente pelo que disposto no § 1° do art. 77 da referida lei. Nesse sentido, decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, quanto ao Decreto n° 81.240/78 (que regulou a Lei 6.435/77 quanto às entidades fechadas; ao passo que o Decreto 81.402/78 regulou a Lei 6.435/77 quanto às entidades abertas), verbis:

 

“PREVIDÊNCIA PRIVADA – APOSENTADORIA – LIMITE DE IDADE – LEI N° 6435, DE 1977 – Previdência Privada. Aposentadoria. Limite de idade imposto pelo Decreto n° 81.249/78, regulamentador da Lei n° 6.435, que silenciava a respeito. Inexistência de ilegalidade. 1. O Decreto n° 81.249 é daqueles, tipicamente, autônomos ou independentes, assim chamados porque destinados a prover situação não contemplada na lei, ao contrário do regulamento de execução que objetiva, simplesmente, a explicar a lei. Neste passo, é inquestionável que o referido decreto poderia, sem vício de ilegalidade, estabelecer limites de idade para o benefício da aposentadoria, de vez que a lei regulada silenciara sobre a questão, deixando-a aberta ao critério do próprio administrador. Está tornando explícito o que a própria lei encerra. 2. Apelo rejeitado. (TJRJ – AC 2325/95 – (Reg. 271095) – Cód. 95.001.02325 – 6ª C.Cív. – Rel. Des. Gustavo Kuhl Leite – J. 22.08.1995)

 

 

PAULO LACERDA, no clássico “Manual do Código Civil Brasileiro” (Tomo I, parte primeira, págs. 325/326, item 214, ed. Jacintho Ribeiro dos Santos, 1929), com precisão, sustenta que nova lei não revoga o decreto que regulamentava a anterior se com este compatível, com dizer, verbis:

 

“…a realidade das coisas jurídicas mostra que não é absoluta a proposição que diz que, revogada uma lei, caem os decretos, regulamentos e instruções expedidos para a respectiva execução;  casos há em que ficam de pé, continuando a vigorar no todo, ou em parte.  Quando?  A resposta é fácil:  quando não se tratar de mera revogação, porém de substituição de leis, de modo a se aplicarem no todo, ou em parte os decretos, regulamentos e instruções para a fiel execução, já agora, da nova lei, da lei substituta.  E o fato ocorre freqüentemente:  com o advento do Código Civil, deu-se em larga escala, pois continuam a vigorar os regulamentos sobre o registro civil, a averbação de títulos, as transmissões de propriedade imóvel, os ônus reais etc.”

 

 

PONTES DE MIRANDA, no seu “Tratado de Direito Privado” (Tomo I, “prefácio”, item 10, pág. XXI, ed. RT, 1983), sustenta, no mesmo sentido que PAULO LACERDA, sobre a vigência e aplicação dos decretos e legislação anteriores ao Código Civil de 1916, após a publicação deste,  que:

 

 “Como toda codificação, o Código Civil não foi exaustivo senão por algum tempo (= até a aparição de alguma regra jurídica derrogativa, ou a latere) e ainda assim não foi perfeita a sua exaustividade:  somente onde se regulou alguma matéria foi excluído o direito anterior (art. 1.807:  “Ficam revogadas as Ordenações, Alvarás, Leis, Decretos, Resoluções, Usos e Costumes concernentes às matérias de direito civil reguladas neste Código”).

 

 

SÉRGIO FERRAZ, in “Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro” (vol. 48, págs. 47 e seguintes, verbete “Regulamento”, em especial fls. 52), também com sustentar a mesma tese de HELLY LOPES MEIRELLES e PAULO LACERDA, diz, verbis:

 

 

“(…) Da subordinação do regulamento de execução à lei deflui que, revogada esta, fica aquele sem aplicação.  Mas quando se trata de simples modificação, o regulamento anterior, no que compatível com as novas normas, perdura eficaz.

Importante é realçar que o regulamento de que estamos tratando não é um ato de execução servil da lei, mas um meio para se chegar plenamente a essa execução.

Realmente não pode ele ser contra legem, porque norma secundária, emanada sem atendimento aos requisitos formais de formulação, e substantivos de competência da lei.  Mas sua finalidade é a execução do conteúdo da lei e não de seu limite formal.  Pode, por isso, conter norma nova, desde que não contrarie a ordem legal vigente e seja necessária à plena execução do diploma regulamentado.  O regulamento deve ser compatível com as leis, em sentido formal (não em sentido material, porque aqui os próprios regulamentos caberiam).  Dessa forma, observadas essas cautelas, e atendidos os critérios de distribuição de competência, não deve um regulamento submissão a outro.  E, em relação à lei, estrito senso, deverá ele guardar uma relação de compatibilidade, e não de mera conformidade.  Eis porque, desde que não contrarie a ordem legal formal, pode exercer-se livremente o poder regulamentar.”

 

Não há, pois, como não se ter por ainda vigentes os artigos da Lei n° 6.435/77 que tratam da organização das entidades abertas sem fins lucrativos – como sociedades civis especiais (“sociedades civis especiais” segundo terminologia do Código de 1916, pelo atual podem ser denominadas “associações especiais”), por força do disposto no § 1°, do art. 77 da Lei Complementar n° 109/01;  e também não há como não se ter por vigente o  Decreto n° 81.402/78, mesmo após a revogação da Lei n° 6435/77 – ainda que se tenha referida revogação como total (ab-rogação), por força do art. 79 da Lei Complementar n° 109/01, pois que a nova lei não extinguiu o conteúdo da anterior, simplesmente o modificou, id est, não deixaram as entidades e nem os planos previdenciários de existir, somente foram pouco modificados pela necessária evolução da sociedade, razão por que o Decreto Regulamentador subsiste a preceito, naquilo que não for incompatível com a nova lei, no que for incompatível não é “revogado” – pois só a autoridade competente para decretar pode revogá-lo (pela “independência entre os Poderes”), mas simplesmente “ineficaz” por “incompatível com a nova lei” (ilegal). (Cf. PAULO LACERDA, ob. Cit. e PASQUALE FIORE in ‘Delle Disposizioni generali sulla pubblicazione, applicazione ed interpretazione delle leggi, 1ª parte de Il Diritto Civile italiano, secondo la dottrina e la giurisprudenza, de vários autores, sob a direção de Fiore e Brgi, 2ª ed., vol. 2, 1925, pág. 647, apud EDUARDO ESPÍNOLA, ob. Cit. P. 115)

 

Como é o próprio § 1° do art. 77 da Lei Complementar n° 109/01 que dispõe sobre a possibilidade de as entidades de previdência privada manterem sua organização como sociedades civis sem fins lucrativos, longe de ser incompatível com a nova lei, o Decreto n° 81.402/78 atende perfeitamente o comando legal.

A integração  dos artigos da Lei n° 6.435/77 e Decreto n° 81.402/78 à Lei Complementar n° 109/01, como já afirmado no item anterior, faz com que o corpo jurídico daí resultante seja lido como se fosse uma única lei complementar, como se fosse um único e contínuo texto de lei complementar.

 

3 –   AS ENTIDADES DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR SEM                                                                                                FINS LUCRATIVOS E O CÓDIGO CIVIL DE 1916

 

As entidades de previdência complementar sem fins lucrativos, como já visto no item 2 do presente parecer, eram sociedades autorizadas a funcionar (montepios, art. 21 do Código Civil de 1916), conhecidas como “sociedades de seguro mútuo” ou “mútuas”, cujo contrato especial de seguro era previsto no art. 1.466 do Código Civil de 1916.

 

3.1 – “SOCIEDADES” E “ASSOCIAÇÕES” NO CÓDIGO CIVIL DE 1916

O art. 16 do Código Civil de 1916, sugeriu diferença entre os termos “associação” e “sociedade”, sugestão essa enfatizada nos arts. 22 e 23, verbis:

 

 

CÓDIGO CIVIL DE 1916

 

“Art. 16. São pessoas jurídicas de direito privado:
I. As sociedades civis, religiosas, pias, morais, científicas ou literárias, as associações de utilidade pública e as fundações.

II. As sociedades mercantis.

§ 1º As sociedades mencionadas no n. I só se poderão constituir por escrito, lançado no registro geral (art. 20, § 2º), e reger-se-ão pelo disposto a seu respeito neste Código, Parte Especial.

§ 2º As sociedades mercantis continuarão a reger-se pelo estatuto nas leis comerciais.

 

“Art. 22. Extinguindo-se uma associação de intuitos não econômicos, cujos estatutos não disponham quanto ao destino ulterior dos seus bens, e não tendo os sócios adotado a tal respeito deliberação eficaz, devolver-se-á o patrimônio social a um estabelecimento municipal, estadual ou federal, de fins idênticos ou semelhantes.

Parágrafo único. (…)

 

 

“Art. 23. Extinguindo-se uma sociedade de fins econômicos, o remanescente do patrimônio social compartir-se-á entre os sócios ou seus herdeiros.”

 

Ao utilizar as expressões “associação de intuitos não econômicos” no art. 22 e “sociedade de fins econômicos” no art. 23, o Código Civil de 1916, apenas sugeriu ou permitiu que as “sociedades sem fins econômicos” adotassem o nome de “associação”, o que, inclusive, ocorreu com várias entidades de previdência complementar que, àquela época, foram constituídas algumas tendo por componente da denominação o termo “associação” (ex.: “Associação Previdenciária…”).

 

No Código Civil de 1916, portanto,  o conceito de “contrato de sociedade” (art. 1.363) não continha a “finalidade de praticar atividade econômica e partilhar o resultado” como no atual (art. 981 da Lei n° 10406/02), pois que simplesmente vinha disposto ser o contrato em que as pessoas mutuamente se obrigam a combinar seus esforços ou recursos para lograrem fins comuns (art. 1.363) – sendo que os “fins comuns” poderiam ser outros que não a partilha de resultado de atividade econômica, id est, poderiam ser fins “não lucrativos”.

 

3.2 –         INEXISTÊNCIA DE DISTINÇÃO LEGAL ENTRE
“SOCIEDADE” e “ASSOCIAÇÃO” NO CÓDIGO CIVIL DE 1916

                                  TENTATIVAS DOUTRINÁRIAS

 

Ocorre que, quanto ao Código de 1916, a doutrina, em sua maioria, não acolheu a referida distinção, nada obstante o disposto nos arts. 22 e 23, sendo que CLÓVIS BEVILÁQUA em suas observações ao art. 16 do Código Civil (“Código Civil dos Estados Unidos do Brazil”, vol. 1, págs. 214 e seguintes, Livraria Francisco Alves, 1916) diz que: 

 

“As sociedades de fins não econômicos se costumam denominar associações;  mas o Código não distingue entre sociedade e associação, como se vê desse artigo.  É verdade que reservou o vocábulo associação para as agremiações de utilidade pública e que desginou a seção III deste capítulo – das sociedades e das associações civis;  mas, desde que se não fornecem na lei, elementos para uma distinção dessa natureza, e desde que se tome em consideração que os estabelecimentos pios e as sociedades, que o Código denominou Moraes, são de utilidade pública, reconhecer-se-á que não houve o intuito de crear duas classes de pessoas jurídicas:  as sociedades civis lato sensu e as associações.  O que se deve induzir da linguagem do Código é que é lícito, mas não obrigatório, denominar associações as sociedades de fins não econômicos.”

 

 

  “Sociedade”, do latim societas, etimologicamente sempre foi “associação, reunião, comunidade de interesses” (DE PLÁCIDO E SILVA, pág. 1463, in “Vocabulário Jurídico”, verbete “sociedade”, IV volume, Forense) e o termo sempre comportou as sociedades “com fins lucrativos” e as “sociedades sem fins lucrativos”.

 

 Logo, “associação” e “sociedade” sempre foram termos utilizados para denominar a  “reunião” de pessoas que formam pessoa jurídica, sendo que houve tentativa doutrinária não unânime, agora acatada pelo novo Código Civil, de se utilizar o termo “associação” para a de  “reunião de pessoas para fins não econômicos”, embora a ausência de finalidade econômica, de si por si, não seja suficiente para caracterizar a existência de “associação”.

 

 

RODRIGO OTÁVIO (“Manual do Código Civil”, I, parte segunda, Introdução, §§ 281, fls. 275, Livraria Jacintho, 1932), do mesmo modo diz que “…não se encontram, porém, quer no Código, quer em outra qualquer lei, dispositivo que de qualquer modo defina ou caracterize o que seja associação de utilidade pública.  Aliás, não há iguamente no Código, como bem observa BEVILÁQUA (Código, 2° edição, vol 1, págs. 209), elementos para se distinguir entre sociedades e associações, denominações que nele são sinônimas e é certo que o desenvolvimento dessa matéria no Código evidencia que, excluídas as fundações que têm natureza jurídica diversa e foram especialmente tratadas na Seção IV desse Capítulo, todas as demais, mencionadas no referido item I do art. 16, constituem uma só classe – sociedades ou associações civis – especialmente tratadas na seção III do mesmo capítulo.”

 

PONTES DE MIRANDA, por sua vez, distoando na fundamentação, concorda com a distinção entre “sociedade” e “associação”, conquanto não pelo “fim econômico” ou “fim não-econômico”, mas sim pela presença ou ausência do que chama elemento corporativo:

 

 

“…A associação diferença-se, em princípio, da sociedade em que essa é de número determinado de membros, ao passo que  aquela pode ter número indeterminado, com ou sem mudança normal deles. A sociedade anônima é sociedade; a associação dos empregados do comércio ou dos empregados públicos é associação. Mas o que diferença e regra, não diferença essencialmente. Não se pode dizer que a associação se distinga da sociedade, porque, nessa, a união de pessoas determinadas é essencial e a substituição excepcional: há as sociedades por ações em que se elimina esse sinal. À sociedade, diz-se, é preciso a unanimidade; ao passo que o princípio majoritário é o que rege as associações: isso não as caracteriza; resultaria, em regra jurídica dispositiva, da existência de uma, ou de outra. Nem as distinguiria o fim econômico ou não econômico: há associações de fim não-econômico e associações de fim econômico; sociedades de fim econômico e sociedades de fim não-econômico. Também os arts. 22 e 23 não servem de base para as distinguir: as sociedades de fins não-econômicos, de que o art. 23 não falou, têm de ser tratadas conforme o art. 22; e as associações de fins econômicos, de que não falou o art. 22, entram, a contrario senso, no art. 23. Os arts. 22 e 23 apenas exprimem que, de ordinário, as associações são só de fim não-econômico; e as sociedades, de fim econômico. (…)

A sociedade de regra não corporifica; a associação é essencialmente corporativa. Daí falar-se de substrato corporativo da associação (CHRISTIAN MEURER, Die juristischen Personem, (63): na sociedade, há sócios; não as-sociados. A reunião de pessoas é associação quando de tal maneira se organizou que os seus membros se apresentam como todo único e uno e os cobre; isto é, quando o membro tem qualidade comum, sem ser só o “sócio, o que participa da vida social. A individualidade do membro entra pouco, ou nada. (P. Knoke, Das Recht der Gesellschaft, 21; O SWART, Der nichtrechtsfühige Verein, 7). (Tratado de Direito Privado – Parte Geral – Tomo I  Editora Revista dos Tribunais – pág. 318)

 

RUBENS REQUIÃO, por outro lado, já a interpretar os modelos de sociedades atuais sob a égide do Código Civil de 2002,  lembra, porém, quanto ao vocábulo “associação” que o Código Comercial usou dessa  expressão como sinônima de sociedade comercial, em diversos artigos, como, por exemplo, no art. 290 (“Em nenhuma associação mercantil se pode recusar aos sócios o exame de todos os livros…”); [vide, também:  arts. 291, 305,V, 319 e 325 do Código Comercial] e afirma que:

 

“… No Código Civil, de 1916, encontra-se o emprego da palavra associação para designar a entidade de fim não-econômico, contrapondo à sociedade civil e à sociedade comercial.  Ao tratar matéria pertinente às pessoas jurídicas, com efeito, esse Código usa das expressões das sociedades ou associações civis.  O art. 22 alude à associação de fins não-econômicos e o art. 23 à socieadade de fins econômicos.

 

 

Para SÍLVIO RODRIGUES (“Direito Civil”, vol. 3, § 146, pág. 315 e segs. , 23ª ed., SARAIVA, 1995)  “dentro do conceito de sociedade, a idéia de um comportamento ativo dos sócios é elementar, pois essa noção se encontra na própria definição apresentada pelo legislador que, ao definir o contrato de sociedade, se refere à conjunção de esforços ou recursos”;  ao passo que “na associação falta esse elemento dinâmico, da mesma forma que carece ela de caráter especulativo.  A associação reúne, de um modo mais ou menos estável, um grupo de pessoas, para finalidades culturais, pias ou recreativas, pagando em geral, cada associado determinada mensalidade fixa e permanente, para custeio da organização.

 

Não havia, durante a vigência do Código Civil de 1916, em que pese ao esforço doutrinário diferenças entre os termos “associação” e “sociedade”, que eram usados indistintamente e, ipso factu, o dispositivo constitucional que alude ao “direito de livre associação” diz respeito à “associação” e também “sociedade” (na nomenclatura do atual código Civil de 2002).

 

Pouco importava, pois, que as entidades de previdência complementar adotassem na denominação ou em seus estatutos o termo “associação sem fins lucrativos” ou “sociedade sem fins lucrativos”, desde que expressamente houvesse menção à ausência da finalidade lucrativa.  Não havia erro em tal prática.

 

Tal já não se pode afirmar ante a vigência do novo Código Civil de 2002, como abaixo se exporá, razão por que melhor se auto-denominarem apenas “entidades de previdência complementar” e esta, talvez, seja a única sugestão dada quanto à eventual alteração estatutária, pois qualquer outra enfrentará resistência doutrinária pelas diversas teses sustentadas, todas com parcial verdade.

 

3.3 –                      DEFINIÇÃO DE “FIM ECONÔMICO”  E

                  “FIM NÃO-ECONÔMICO” NO CÓDIGO CIVIL DE 1916

 

Pelo que dispuseram os comentadores do Código Civil de 1916, quanto aos arts. 22 e 23, ficou claro que os termos “fim econômico” e “fim não-econômico” eram utilizados como sinônimos de “fim lucrativo” e “fim não-lucrativo” respectivamente.

 

J.M. DE CARVALHO SANTOS (“Código Civil Brasileiro Interpretado”, Vol. I,  p. 399/400, 8ª ed. Freitas Bastos, 1958), ao comentar o art. 22 do Código Civil de 1916 diz que “associações de intuitos não econômicos” são as associações de fins ideais, como as científicas, literárias, artísticas, religiosas, beneficentes e recreativas, em contraposição às sociedades de fins econômicos.  Também sustenta que o vocábulo “intuito” deve ser tomado no sentido de “fim principal”.

 

Importante transcrever o pensamento de J. M. DE CARVALHO SANTOS (ob. Cit, pág. 399/400),   que bem distingue “finalidade econômica”  ou “fim lucrativo ou econômico”  de “atividade econômica ou fim econômico acessório”, com lembrar lição de CURTIR FORRER, verbis:

 

Mesmo que a associação tenha igualmente intuito ou um fim econômico acessório, com um caráter de atividade secundária, para os efeitos legais deve ser considerada como de fins ou intuitos não econômicos.  Exemplos:  uma sociedade de música possui uma orquestra que dá concertos mediante entrada paga;  uma associação científica publica uma revista, aceitando anúncios mediante remuneração.  O que é decisivo é o fim não econômico, é a atividade para um fim ideal.  Uma associação filantrópica, igualmente, para melhor cumprir a sua missão, pode explorar uma empresa econômica.  Mas nem por isso deverá ser considerada como associação de intuitos econômicos.  Cabe bem aqui a distinção sugerida por CURTI FORRER:  entre o fim e os meios empregados para realiza-lo.

 

A circunstância de esses meios serem de natureza econômica não importa em transformação dos intuitos da associação, e como a esses intuitos é que se refere o legislador, parece evidente que a solução acertada é a que acima referimos. (Cf. CURTI FORRER, ob. Cit. Nota 2 ao art. 60, onde aceita a distinção para outros efeitos)

 

 

CLÓVIS BEVILÁQUA (ob. Cit. Vol.1. p. 191), diz que “diferentemente das associações de intuitos não-ecomômicos, organizadas para a realização de um interesse moral, as sociedades de fins econômicos se formam no interesse dos próprios sócios.”, enfocando mais o “fim não-econômico (“moral”) do que tinha por associação” que a “atividade que desenvolvia” (organizadas para a realização de um interesse moral…) quando as quis definir como tal.

 

Logo, “fim ou intuito econômico” equivale a “fim ou intuito lucrativo” e, por sua vez, difere de “atividade econômica”, com o que dificulta a interpretação dos arts. 53 e 981 do atual Código Civil (“art. 53. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos.” e  “art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.”),  pois as entidades de previdência complementar sem fins lucrativos atendem ao art. 53 em parte – pelo fim não econômico e  também atendem em parte ao disposto no art. 981 pelo “exercício de atividade econômica”, em que pese não terem “fim econômico”.

 

Mesmo a participação nos lucros da sociedade não é suficiente a caracterizar alguém como “sócio”, pois os trabalhadores participam dos lucros das empresas sem possuírem “vínculo social”.  Nesse sentido, à justa, PONTES DE MIRANDA (ob. Cit. tomo XLIX), com citar decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo.  Por outro lado, simples “união de pessoas com determinado fim” não é suficiente a caracterizar “associação”, porque pode se tratar de mera “reunião” ou de “comunidade”.  Com o que, nada obstante a redação dos arts. 53 e 981 a doutrina ainda terá papel importante na interpretação científica do que tem o Código Civil de 2002 por “associação”  e “sociedade”.

 

FÁBIO ULHOA COELHO (“Curso de Direito Comercial, volume 2, Editora Saraiva, 7ª ed. 2004), afirmou que “a distinção entre associação e sociedade é doutrinária, porque, no direito civil positivo brasileiro, as expressões são sinônimas.”, no que foi criticado por SÉRGIO CAMPINHO (ob. Cit.) com razão, porquanto hoje, ao contrário de 1916, nosso Código Civil de 2002 positivou a distinção, somente que há de se verificar, e talvez aí tenha razão aquele jurista ao dar importância à doutrina,  quais outros elementos compõem a identificação da “sociedade” além do “fim lucrativo” e quais ajudam a  caracterizar a associação, além da “ausência de finalidade lucrativa”.

 

Será, por enquanto, completamente, subjetiva a adoção da tese de que a entidade de previdência complementar sem fins lucrativos é “associação especial”, como também o será a adoção da tese de que se trata de “sociedade especial” – pela ausência do fim econômico (partilha entre si dos resultados), sendo certo, porém, que se trata de  pessoa jurídica de direito privado regida por lei própria e especial.

 

 

4 –                    CÓDIGO CIVIL DE 2002  (LEI N° 10.406/02)

ART. 2.031 É INAPLICÁVEL ÀS ENTIDADES ABERTAS DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR SEM FINS LUCRATIVOS

 

Com a publicação do novo Código Civil de 2002 (Lei n° 10.406/02), iniciou-se discussão entre o mercado das entidades abertas de previdência complementar e a SUSEP-Superintendência de Seguros Privados, que é o Órgão Fiscalizador a que estão subordinadas e que, contrariando ao princípio da legalidade (pois viola inclusive Resolução n° 53/01 do CNSP-Conselho Nacional de Seguros Privados – que é o Órgão Normatizador) determinou às entidades abertas de previdência complementar que se adaptassem ao que  dispõe o Código Civil de 2002 – em observância ao art. 2.031, sem dizer ao certo o que entende como ‘necessárias adaptações.”

 

O assunto deu ensejo a que nos pronunciássemos no parecer suso aludido, do qual o presente é atualização, no que fomos seguidos por outros juristas, e o que ficou assente é que todos refutam a tese de “necessidade de adaptação ao código civil prevista no art. 2.031”, embora haja alguma divergência doutrinária sobre o tipo da pessoa jurídica de direito privado que frisa melhor com as entidades abertas de previdência complementar sem fins lucrativos: “sociedade” ou “associação”.

 

Os arts. 777, 1.123 e 2.033  do Código Civil de 2002 ressalvam que o “seguro regido por lei próprio e a sociedade autorizada a funcionar” continuarão regidos por leis especiais e que somente no que couber é que seria aplicável as demais regras do Código, entre as quais as adaptações pretendidas pelo art. 2031, como veremos ao diante.

 

A ressalva feita por esses artigos é coerente com os princípios de interpretação que dizem que “lei especial não pode ser revogada por lei geral” e o outro que diz que “lei ordinária não pode revogar lei complementar em assunto específico (de competência) de lei complementar”.

 

Não se pode, ao analisar norma jurídica, levar em conta apenas artigos isolados e pretender que regras gerais tenham incidência sobre fatos regidos por leis específicas, principalmente quando a nova lei com regras gerais é “lei ordinária geral” e o assunto que se pretende alterado deva ser regido por “lei complementar e especial” contendo ordenamento próprio à lei complementar.

 

O novo Código Civil (Lei n° 10.406/02), que é norma geral não poderá ser tomado como norma aplicável às entidades de previdência complementar sem fins lucrativos naquilo que não regulou, pois que os artigos referentes à “associação” e à “sociedade” são regras gerais ante as específicas da Lc n° 109/01, Lei n° 6.435/77 e seu Decreto n° 81.402/78, em parte naquela integrados (vide item 2.4.3 e 2.4.4 do presente) ao art. 77.

 

O próprio art. 2.033 do Código Civil de 2002 ressalva o disposto em lei especial, quanto à obrigatoriedade de modificações de atos constitutivos das pessoas jurídicas referidas no art. 44, bem como a sua transformação, incorporação, cisão ou fusão ao que previsto no Código.

 

 

4.1 –           IMPOSSIBILIDADE DE LEI ORDINÁRIA DERROGAR

                 LEI COMPLEMENTAR EM ASSUNTO PRÓPRIO A ESTA

 

Princípio comezinho de direito, baseado na hierarquia das normas, prevista no art. 59 da Constituição Federal é o que dispõe sobre a impossibilidade de lei ordinária regular assunto cometido pela Constituição Federal à Lei Complementar.

Como “autorização e funcionamento de estabelecimento de previdência” é assunto que exige lei complementar, conforme disposto no inciso II, do art. 192 da Constituição Federal (antes da Emenda Constitucional n° 40/03), bem como pelo disposto no art. 202 da Carta Magna (redação dada pela Emenda Constitucional n° 20/98), e tendo a “autorização e funcionamento” das entidades abertas de previdência complementar sem fins lucrativos sido regulada pelo § 1° do art. 77 da Lc n° 109/01 e demais artigos que este integrou (artigos da Lei n° 6.435/77 e Decreto n° 81.402/78), não há falar em “derrogação” desta pelo disposto no novo Código Civil.

 

 

4.2 –     IMPOSSIBILIDADE DE LEI GERAL REVOGAR LEI ESPECIAL

                  (RESSALVAS DOS ARTS. 777, 1.123 E 2.033 DO CÓDIGO CIVIL)

 

A tese de que o novo Código Civil teria derrogado as normas pertinentes à organização “societária” (“societária” aí lato sensu e no sentido do código de 1916, pois que pelo de 2002 poderá ser “organização associativa” dependendo da visão do intérprete) das entidades abertas de previdência privada sem fins lucrativos esbarra não só nas próprias ressalvas feitas pelo Código Civil de 2002, que também na impossibilidade de “lei geral revogar lei específica” e “lei ordinária revogar lei complementar” em matéria afeta à lei complementar.

Incidem, in casu, os § 1° e 2° da chamada Lei de Introdução ao Código Civil, que trazem regras de hermenêutica aplicáveis ao caso, ipsis verbis:

 

Lei de Introdução ao Código Civil, Decreto-Lei n° 4.657/42

Com as alterações introduzidas pela Lei nº 3.238/57

 

“Art. 2º. Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

§ 1º. A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

§ 2º. A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

§ 3º. Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.”

 

Ora, nem a Lei Complementar n° 109/01, nem o Código Civil de 2002 regularam inteiramente o modo de atuar e de se constituir pertinentes às entidades abertas de previdência privada sem fins lucrativos, havendo normas  integradas ao § 1°, art. 77, da Lc n° 109/01 que o fazem e devem ser observadas (Lei n° 6.435/77, art. 5° e 30 e Decreto n° 81.402/78, arts. 14 a 21 e 38 a 40).

 

De tudo que exposto, está demonstrado que somente há distinção verdadeira  entre “associação” e “sociedade” na Lei n° 10.406/02 (novo Código Civil) e não no Código Civil de 1916 e que a sociedade civil a que alude o § 1° do art. 77 da Lc n° 109/01 é “sociedade civil especial” (ou “associação especial” segundo cada intérprete) organizada por lei e decretos específicos.

 

Com já afirmado (item 3.1), no Código Civil de 1916 o conceito de “contrato de sociedade” (art. 1.363) não continha a “finalidade de praticar atividade econômica e partilhar o resultado” como no atual (art. 981 da Lei n° 10406/02), pois que simplesmente vinha disposto ser o contrato em que as pessoas mutuamente se obrigam a combinar seus esforços ou recursos para lograrem fins comuns (art. 1.363) – sendo que os fins poderiam ser outros que não a partilha de resultado de atividade econômica, id est, poderiam ser fins “não lucrativos”.

 

Quanto à eventual dúvida quanto ao  “tipo de sociedade civil em que seriam organizadas as entidades abertas de previdência privada sem fins lucrativos”  é bem esclarecer que se dissolvem quando atentamente analisados os dispositivos legais, tal como o fizemos nos itens 2.4.1 a 2.4 acima, ou seja, quando analisado entre outros o § 1°, do art. 77 da Lei Complementar n° 109/01, pois este parágrafo  diz que podem referidas entidades “manter” sua organização jurídica como sociedade civil (“…é permitida a manutenção de sua organização jurídica como sociedade civil,…”,  o verbo “manutenir” de onde se origina “manutenção” tem aí o mesmo sentido de manter) o que torna suficientemente claro que podem “continuar”, “permanecer” no estado em que se encontravam – há recepção do tipo societário existente –  e se a lei diz “…como sociedade civil” é porque entende, como o Código Civil de 1916 e como CLÓVIS BEVILÁQUA, e RODRIGO OTÁVIO entre outros, que “não havia distinção entre associação e sociedade” que a doutrina apenas esboçava sem nitidez (vide pensamento de PONTES DE MIRANDA e SÍLVIO RODRIGUES quanto às diferenças entre “associação” e “sociedade”, transcritas no presente parecer).  É contraditório, incoerente e grave erro de interpretação o pretender que o disposto no referido § 1° do art. 77 concedesse liberdade de as entidades de previdência privada alterarem sua organização jurídica para “sociedades limitadas, em nome coletivo etc.”, quando as regras societárias eram dadas por lei próprias, ou seja, nenhum dos tipos societários da legislação comercial (que poderiam, com exceção da “sociedade anônima”, ser adotados pelas sociedades civis) trazia disposições específicas sobre “associados controladores”, “associados participantes”, responsabilidades e direitos de uns e de outros, “autorização para funcionamento” etc.  Logo, a forma societária, anteriormente à lei 6.435/77 e Decreto 81.402/78, era dada pelo próprio Código Civil em seus arts. 1.363 e seguintes c/c 1.466 (que dispunha sobre “seguro mútuo”, pois os participantes/segurados se tornavam “associados”), no que coubesse e, depois das referidas normas, seguiram o que a legislação específica determinava.

 

É de se lembrar, ainda, que o art. 1.364 do Código Civil de 1916 permitia que as sociedades civis revestissem as formas estabelecidas nas leis comerciais, mas que o artigo seguinte (1.365) dispunha que se não revestissem nenhuma dessas formas reger-se-iam pelo que disposto naquele capítulo.  Ou seja, o dispositivo legal resolve o aparente problema sobre “qual o tipo societário das 

entidades de previdência privada sem fins lucrativos”, determinando que, se não revestirem nenhuma forma estabelecida em lei comercial as sociedades reger-se-iam pelo Capítulo XI do Código Civil.

 

Posteriormente, foi derrogado o art. 1.364 pela legislação que se seguiu, notadamente a Lei n° 6.404/74 que vedava em seu art. 2° a natureza civil das sociedades anônimas e, quanto às entidades de previdência privada, especificamente, passou a ser obrigatória a observação da estrutura societária dada pela Lei 6.435/77 e pelo Decreto n° 81.402/78, o que foi ratificado pela Lei Complementar n° 109/01.

 

Quanto a aparente impossibilidade de existir uma associação “sui generis” cujo conceito abarque as entidades de previdência complementar sem fins e confira à minoria dos participantes o poder de submeter a universalidade de associados a sua vontade, já existia na legislação anterior e deverá ser mantida na atual por expressa previsão legal, sem que tal fato cause espanto, mormente enquanto vigorar no direito brasileiro o princípio da não essencialidade do direito de voto, tal como disposto no art. 111 da Lei n° 6.404/76.

  

Sempre bom ressaltar que enquanto alguns defendem a “extinção das entidades abertas sem fins lucrativos, no que expõe mais a paixão do que a razão – outros, como VILLELA (Álvaro da Costa Machado Villela, “Seguro de Vida”, Coimbra – Imprensa da Universidade, p.86, 1898), por exemplo, sustentam que somente as sociedades sem fins lucrativos – os Montepios –  é que poderiam atender corretamente aos reclamos da vida social pela”virtude ética primacial”, pois nele a “associação dos segurados não é um fato inconsciente provado por um especulador, mas um movimento consciente determinado pelo reconhecimento do poder enorme da solidariedade”.   Diz VILLELA que “ao seguro mútuo é que cabe em pleno a frase de COURCY: “ o seguro é uma instituição maravilhosa de que a álgebra lançou as bases e de que a moral forma a coroa”.  Para se manter a coerência no raciocínio, deveriam também os juristas que assim praticam, defender o “fim das entidades fechadas de previdência privada”, que são também “sem fins lucrativos”, o que até agora não vimos ocorrer.

 

 

Cabe, por derradeiro, lembrar que a tese de que o § 1° do art. 77 da Lei Complementar n° 109/01 está derrogado pelo Novo Código Civil é absurdo tão grande como se sustentar que “as entidades fechadas de previdência privada, que  tenham por patrocinadora a União”, v.g., tenham de se adaptar ao que disposto no novo Código Civil, quanto à eleição de diretoria, quando dispõe o § 6° do art. 202 que isso é assunto específico de lei complementar.  Da mesma forma, “autorização e funcionamento de entidade de previdência privada” era matéria prevista constitucionalmente como afeta à lei complementar (art. 192, II c/c art. 202 da CF) que a regulamentou justo no parágrafo que ensejou a discussão sobre a suposta “derrogação” pelo novo Código Civil.

 

 

A legislação que regra a organização e funcionamento das entidades de previdência complementar sem fins lucrativos como sociedades civis (naquela época “associações” ou “sociedades”), após o Código Civil de 1916,  e que foi integrada pelo § 1° do art. 77 da Lc n° 109/01 é, como já vimos, a  Lei n° 6.435/77: “Art. 5º. As entidades de previdência privada serão organizadas como: I – (…); II – sociedades civis ou fundações, quando sem fins lucrativos;”; e  Decreto n° 81.402/78: “Art. 4° (…) § 3 – As entidades abertas de previdência privada serão organizadas como: I – (…); II – sociedades civis, quando sem fins lucrativos.

 

EDUARDO ESPÍNOLA (“Tratado de Direito Privado Brasileiro”, vol. II, “Da Lei e da Sua Obrigatoriedade. Do Direito Intertemporal”, p.131 e segs. Tópico Leis Gerais e Leis Especiais, Freitas Bastos, 1939),  esclarece bem o alcance da regra contida no art. 4° da Introdução do Código Civil, que diz que “disposição especial não revoga a geral, nem a geral revoga a especial, senão quando a ela ou ao seu assunto se referir”, quando diz que “por efeito de uma codificação, isto é, da decretação de um Código sobre determinada matéria, não se deve decidir, sem mais exame, que ficam revogadas ou abrogadas todas as leis esparsas anteriores, que se destinavam a reger a mesma disciplina.”

 

Acrescenta o consagrado jurista:

 

“Essas leis esparsas se reputam leis especiais em confronto com o nosso código, que é a lei geral.

O nosso Código Civil dispõe no art. 1.807:  – “Ficam revogadas as ordenações e Costumes concernentes às matérias de direito civil reguladas neste Código”.

A jurisprudência de nossos tribunais não teve dúvida em afirmar que existem matérias de direito civil, que se encontravam reguladas em lei e que não foram contempladas pelo Código, continuando, pois, em vigor a lei anterior respectiva.

 

Foi o que decidiu a propósito da lei n. 2.681, de 7 de dezembro de 1912, que regula a responsabilidade civil das estradas de ferro, a qual se não considerou abrogada pelo Código civil

.

Vem a propósito as palavras de SAREDO:  – quando leis especiais regulam uma matéria compreendida num Código ou em outra lei geral, mas contém sobre a mesma matéria disposições que não se encontram no Código ou na lei geral e que não contradizem ao novo direito, aquelas leis especiais continuam em vigor, em relação a todas as disposições que devem ser consideradas como parte integrante do novo Código ou da nova lei. (b).

A igual solução chega FIORE, quando observa que – no caso de ser determinada matéria regulada por uma lei geral, havendo certas relações atinentes à mesma matéria reguladas por uma lei particular, o fato de ser publicada uma lei geral, que regule a matéria em sua integridade, não traz como conseqüência abrogação implícita da lei especial relativa à mesma matéria, quando se não apresenta incompatibilidade absoluta entre essa lei especial e a geral, ou quando a abrogação não resulte claramente da intenção legislativa, do objeto, do espírito ou do fim da lei geral.

FIORE alude ao caso da lei italiana de 24 de janeiro de 1864, relativa às prestações devidas aos corpos morais de mão morta:  grave foi a discussão que se estabeleceu a propósito de ter sido, ou não, essa lei abrogada depois da atuação do Código Civil, prevalecendo a opinião negativa.

 

Logo, não há falar em “revogação dos dispositivos especias integrados ao § 1° do art. 77 da Lei Complementar n° 109/01, por norma geral que não disciplinou essa matéria.

 

RESSALVAS DOS ARTS. 777, 1.123 E 2.033 DO CÓDIGO CIVIL

 

ART. 777 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 –

SEGUROS REGIDOS POR LEIS PRÓPRIAS

 

Por esse motivo o art. 777 do Código Civil de 2002, dispõe que o seguro regido por lei própria, só no que couber obedecerá ao que disposto naquele capítulo, sendo certo que o “seguro mútuo” (antes previsto no art. 1.466 do Código Civil de 1916) é tipo de “seguro regido por lei especial”, qual seja, Lei n° 6.435/77, Decreto n° 81.402/78 e Lei Complementar n° 109/01 entre outras normas, o que refuta a incidência do art. 2031 do Código Civil de 2002.

 

 

 

Portanto, mesmo o Código Civil de 2002, no seu art. 777, ao tratar de seguros, o fez com cuidado e prudência, ao permitir que o seguro regido por lei própria (o que é o caso das entidades abertas de previdência privada sem fins lucrativos, que são simples sociedades de seguro mútuo previstas no art. 1.466 do Código Civil de 1916) somente no que fosse aplicável seguisse suas determinações, se não vejamos:

 

CÓDIGO CIVIL DE 2002

LEI N° 10.406/02

 

CAPÍTULO XV

DO SEGURO

Seção I
Disposições Gerais

 

Art. 777. O disposto no presente Capítulo aplica-se, no que couber, aos seguros regidos por leis próprias.

 

JONES FIGUEIREDO ALVES (“Novo Código Civil Comentado”, sob a coordenação de RICARDO FIUZA, pág. 703, comentário ao art. 777, Saraiva, 2003) sustenta, com acerto que as disposições referentes ao seguro (entre os quais se insere o “seguro mútuo” e atual “plano previdenciário privado”) no novo Código Civil “assumem, em sua maioria, caráter principiológico, pelo que deverão ser aplicadas, na maioria dos casos, coadunando-se, outrossim, com as leis especiais que tratam da matéria.”

 

 

ART. 1.123 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002

SOCIEDADES AUTORIZADAS A FUNCIONAR

 

 

Também o Capítulo XI do Código Civil, que trata da “Sociedade Dependente de Autorização”, ou seja, entre outras, de pessoas jurídicas como as “entidades abertas de previdência complementar sem fins lucrativos” que necessitam de autorização para funcionar,  dispõe que são regidas por aquele título, sem prejuízo do disposto em lei especial, como se vê do disposto abaixo, ipsis verbis:

 

CÓDIGO CIVIL DE 2002

CAPÍTULO XI

DA SOCIEDADE DEPENDENTE DE AUTORIZAÇÃO

Seção I

Disposições Gerais

“Art. 1.123. A sociedade que dependa de autorização do Poder Executivo para funcionar reger-se-á por este título, sem prejuízo do disposto em lei especial.

Parágrafo único. A competência para a autorização será sempre do Poder Executivo federal.”

 

Entre as sociedades que dependem de autorização para funcionar estão as previstas na Lei n° 4.564/64, entre as quais se incluem as seguradoras de seguro mútuo (entidades abertas de previdência privada), sendo que  MODESTO CARVALHOSA, em seus comentários a este capítulo diz:

 

“Ressalte-se que o que determina a prévia autorização não é a forma da sociedade, mas os atos e operações que esta pretende praticar consoante o seu objeto.” (pg. 545)

 

Com relação às sociedades brasileiras, dependem de autorização do Governo para funcionar apenas aquelas em que houver previsão legal específica.

Assim, dependem de autorização para funcionar, nos termos dos §§1º e 3º da Lei nº4.595/64: “§ 1º Além dos estabelecimentos bancários oficiais ou privados, das sociedades de crédito, financiamento e investimentos, das caixas econômicas e das cooperativas de crédito ou a seção de crédito das cooperativas que a tenham, também se subordinam às disposições e disciplina desta lei no que fôr aplicável, as bôlsas de valores, companhias de seguros e de capitalização, as sociedades que efetuam distribuição de prêmios em imóveis, mercadorias ou dinheiro, mediante sorteio de títulos de sua emissão ou por qualquer forma, e as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam, por conta própria ou de terceiros, atividade relacionada com a compra e venda de ações e outros quaisquer títulos, realizando nos mercados financeiros e de capitais operações ou serviços de natureza dos executados pela instituições financeiras.

§ 3º Dependerão de prévia autorização do Banco Central da República do Brasil as campanhas destinadas à coleta de recursos do público, praticadas por pessoas físicas ou jurídicas abrangidas neste artigo, salvo para subscrição pública de ações, nos têrmos da lei das sociedades por ações.” (pg 546)

[“Comentários ao Código Civil”, (arts. 1.052  a 1.195), p. 546, Ed. Saraiva)

 

 

Concluímos esse tópico com a afirmação de que o art. 1.123 da Lei 10.406/02 se aplica às entidades abertas de previdência privada sem fins lucrativos, mesmo sem necessidade de se definir o que sejam (“sociedades” ou “associações”), porque o inciso II, do art. 192 da Constituição Federal, antes da Emenda Constitucional n° 40/03, dispunha que as entidades de previdência privada terão de ter autorização para funcionamento, bem como porque o art. 73 da Lei Complementar n° 109/01 dispõe que se aplica subsidiariamente às entidades de previdência privada aberta a legislação de seguro e o art. 1.123  do Código Civil é “legislação aplicável ao seguro”.

 

Logo, a ressalva feita pelo art. 1.123 do Código Civil de 2002, mais uma vez preserva o princípio da especialidade da lei, com dizer que referidas sociedades autorizadas a funcionar somente no que couber seriam regidas pelo Código.

 

ART. 2.033 DO CÓDIGO CIVIL

 

O art. 2.033 do Código Civil de 2002 contém ressalva quanto à necessidade de adaptação prevista no art. 2.301.  Diz o art. 2.033, ipsis verbis:

 

NOVO CÓDIGO CIVIL (LEI N° 10.406/02)

 

“Art. 2.033.  Salvo o disposto em lei especial, as modificações dos atos constitutivos das pessoas jurídicas referidas no art. 44, bem como a sua transformação, incorporação ou fusão, regem-se desde logo por este Código.

 

NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY (“Novo Código Civil e Legislação Extravagante Anotados”, art. 44, nota 3, pág. 32, RT, 2002), com pequeno equívoco ao comentar o art. 2.033 do novo Código Civil, por mencionarem apenas “sociedade” no título, no que logo corrigem e usam do termo “pessoas jurídicas”, ratificam a tese aqui esposada :

 

“3. Sociedade prevista em lei especial.  Salvo disposto em lei especial, as modificações dos atos constitutivos das pessoas jurídicas referidas na norma ora comentada, bem como a sua transformação, incorporação, cisão ou fusão, regem-se, desde logo por este Código.” (grifei)

 

MARIA HELENA DINIZ (“Comentários ao Código Civil”, vol. 22, coordenado por Antônio Junqueira de Azevedo, p. 139, Saraiva, 2003) também ressalva que as alterações pretendidas pelo Código Civil de 2002, em seu art. 2.031 somente  serão imediatas quando não houver disposto em contrário em lei especial, verbis:

 

“Qualquer modificação feita em estatuto ou ato constitutivo de pessoas jurídicas de direito privado (CC, art. 44), ou seja, de associações, sociedades e fundações, reger-se-á, salvo disposto em lei especial, pelo novo Código Civil (arts. 59, IV e parágrafo único, 67, I a III, 68, 997, 999, parágrafo único, 1.003, 1.031, 1.048, 1.071, V e VI, e 1077), bem como a sua transformação, incorporação, cisão ou fusão (CC, arts. 1.113 a 1.122).”(grifei)

 

 

Nem poderia ser de outra forma, pois “lei geral e ordinária” não poderia revogar “lei especifica e complementar” em assunto que pede a forma de “lei complementar”.

 

4.3 –                         DIFERENÇA ENTRE ASSOCIAÇÃO

E SOCIEDADE NO CÓDIGO CIVIL DE 2002

 

 

Problema que terá de ser enfrentado, e que continua longe de se ter por resolvido, é o definir doutrinária e jurisprudencialmente o que efetivamente distingue a “associação” da  “sociedade”, principalmente quando se tem de definir pessoa jurídica que contém traços de associação (ausência de finalidade econômica) e traços de sociedade (atividade econômica).

 

Será de suma importância a resposta dessa questão prévia, visto que somente com enquadrar as entidades como “associação” ou “sociedade” é que se pode, posteriormente, verificar a incidência ou não do novel Código Civil (subsidiariamente) e quais os artigos que incidem.

 

O art. 44 do Código Civil de 2002, ao dizer que “são pessoas jurídicas de direito privado”, colocou no inciso I as associações e no inciso II as sociedades, o que já é suficiente a demonstrar a intenção em as diferençar.

 

Referido artigo 44, no entanto, contém o mesmo erro do Código Civil de 1916, pois que existem sociedades não personificadas, ou seja, que não são “pessoas jurídicas’, nada obstante existam e sejam válidas, e legalmente 

previstas no próprio Código (arts. 986 a 996), com o que se demonstra a dificuldade do próprio Código em precisar os termos.

 

Que há tentativa de diferençar “associação” de “sociedade” no código atual não resta dúvidas, pois não se usa do termo “sociedade” na definição de associação mas sim do termo “união” (“união de pessoas que se organizem para fins não econômicos”); enquanto o art. 981 do mesmo diploma define “sociedade” como a união de pessoas com o fim de praticar atividade econômica, com o fim de lucro e de partilha do resultado.  Logo, ao contrário do Código de 1916, o de 2002, adotou, claramente, a tese de que “associação” é a união de pessoas (e aí poder-se-ia usar o termo “sociedade” só lato sensu em substituição ao vocábulo “união”) para fins não-econômicos e se valeu do termo “sociedade” para a união de  que tenha “atividade econômica e fim econômico” (repartição dos resultados).

 

Dos doutrinadores atuais, à exceção de FÁBIO ULHOA COELHO (“Curso de Direito Comercial”, vol. 2, p. 13, in fine, ed. Saraiva, 2004), que enfatiza, talvez com excesso, a importância da doutrina nesse aspecto, bem como um que outro que arrisca análises mais profundas, a maioria fica na superfície, com analisar apenas a ausência ou não de finalidade lucrativa, o que não basta a caracterizar nem “associação”, nem tampouco “sociedade”.

 

Não basta dizer que “se há participação no lucro há sociedade”, pois os trabalhadores podem também participar dos lucros da empresa em que trabalham “sem criação de vínculo social”, do mesmo modo que diretores de sociedades anônimas podem participar do lucro (art. 190 da Lei n° 6.404/76) sem serem “sócios” ou empregados, e poderá haver participação de empregados em “superavit’ de associação sem que com tal configure vínculo associativo ou mesmo “distribuição de lucro”.  PONTES DE MIRANDA (ob. Cit. Vol. XLIX, pág., 12), acrescenta que nem o empréstimo com participação nos lucros; nem a outorga de poder (mandato ou outra figura) ou comissão para venda de mercadorias, com parte nos lucros; nem a compra por duas ou mais pessoas de patrimônio ou massa, para que se dividam os lucros ou lucros e perdas cria vínculo social.

 

A definição de “associação”  e “sociedade”, que aparentemente seria fácil ante o que dispõem os arts. 53 e 981 do Código Civil de 2002, além dos elementos óbvios (ausência ou não de finalidade lucrativa), terá de ser acrescida dos comumente citados pela doutrina, pois a existência ou ausência de finalidade lucrativa  não será suficiente a caracterização e mesmo a indicar a existência das referidas pessoas jurídicas, pois união de pessoas organizadas para atividade sem finalidade lucrativa poderá ser, e.g., “reunião para o chá da tarde com amigos” ou “comunidade”  e não necessariamente “associação”.

 

A importância da definição doutrinária se dá, v.g., como já vimos no item 4.2, pelo fato de que entre os inúmeros artigos cuja incidência será discutida temos o art. 1.123 do Código Civil, suso transcrito, que dispõe sobre a “sociedade que dependa da autorização do Poder para funcionar”, e que usa apenas do termo  “sociedade” e não “associação”.

 

 

RUBENS REQUIÃO, já mencionado no item 3.1,  sustenta quanto ao vocábulo “associação” que o Código Comercial usou dessa  expressão como sinônima de sociedade comercial, em diversos artigos, entre os quais o art. 290 (“Em nenhuma associação mercantil se pode recusar aos sócios o exame de todos os livros…”) e afirma que:

 

 

“Ao contrário de alguns juristas pátrios, pensamos que dos textos da lei se pode esclarecer uma exata nomenclatura, destinando o uso da palavra associação para as entidades de fins não-econômicos (p.ex.: “Associação Comercial do Paraná”).  Os usos e costumes, que tão grande papel desempenham na formação do direito comercial, consagram, no sentido indicado, o emprego do vocábulo.  

Sociedade. Nessa ordem de pensamento destinaríamos a palavra sociedade para designar a entidade constituída por várias pessoas, com objetivos econômicos. (“Curso de Direito Comercial”, 1° volume, § 207, pág. 356 e segs., editora Saraiva, 2003).

 

JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA, ao comentar a Lei n° 10.406/02, afirma que:

 

“…As associações e sociedades têm nos seus associados ou sócios a sua origem e a fonte maior da formação da vontade social. O novo código, ao defini-las, afasta a imprecisão terminológica outrora dominante, na medida em que estabelece uma nítida distinção entre associação e sociedade, aliás consagrando o entendimento doutrinário, que já considerava a primeira uma entidade sem fins econômicos, enquanto a segunda objetivava o lucro para distribuição aos seus sócios.

(“Direito Societário” – 8ª edição – pág. 05 – Ed. Renovar in, O Novo Código Civil Comentado – vol. 1 – Organizadores: Cleyson de Moraes Mello e Thelma Araújo Esteves Fraga – Ed. Freitas Bastos – pg.41)

 

 

J. FRANKLIN ALVES FELIPE E GERALDO MAGELA ALVES, quanto ao tema dizem:

 

4. Pessoas Jurídicas de Direito Privado. Valendo-se da melhor nomenclatura jurídica,  o Código define as pessoas jurídicas de direito privado: associações, sociedades e fundações. As primeiras desenvolvem atividades sem escopo econômico, ou seja, não visam a lucro e podem ter natureza cultural, esportiva, educacional, hospitalar e outras. As sociedades visam à obtenção de lucro, em proveito e seus sócios (…)

(“O Novo Código Civil Anotado” 2ª edição – Ed. Forense)

 

Melhor seria, no entanto, que se valessem do termo “união” (tal como na definição dada pelo art. 53: “Constituem-se as associações pela união de pessoas…”) como gênero e “associação” e “sociedade” como espécies, pois que há a “sociedade não personificada”, ou seja, sociedade que não é ainda “pessoa jurídica” (art. 985 e seguintes do Código Civil de 2002) por faltar registro dos atos constitutivos ou por ser “sociedade em conta de participação”, o que o Código Civil trata especificamente no Subtítulo I, do Título II, nos capítulos I e II, arts. 986 a 996.

 

Como, porém,  a só participação nos lucros não cria vínculo social, pois os trabalhadores e diretores também participam dos “lucros das empresas” sem se tornarem sócios (cf. art. 190 da Lei das Sociedades Anônimas),  e, que a “união de pessoas”  não é de si por si “associação”, pois pode ser mera “reunião de amigos” ou “comunidade”, faz-se de mister o aprofundamento doutrinário para que se caracterizem bem “associação” e “sociedade”, o que vimos que os doutrinadores atuais não o fizeram, como se verifica nos exemplos acima.

 

4.4 –        CRÍTICA AO ENQUADRAMENTO COMO ASSOCIAÇÃO

 

No novo Código Civil, nada obstante os doutrinadores tenham se manifestado – em sua maioria – pela distinção baseada apenas em fins econômicos ou não-econômicos ao definirem as “associações”, haverá dúvidas, como já afirmado no item anterior, quanto à classificação das entidades de previdência privada, pelos elementos que possuem e que as caracterizam em parte como associações (“ausência de finalidade lucrativa”) e em parte como sociedades (“atividade econômica”).

 

Não basta a leitura do art. 53 do Código Civil de 2002, como pensa SÉRGIO CAMPINHO (ob. cit. p. 35) para se definir o que seja “associação”, pois que a união de pessoas, v.g., que “se organizem para tomar chá à tarde (fim não econômico)” terá preenchido o caput do referido artigo sem caracterizar o contrato de “associação”.

 

 Os elementos que constituem a “associação”, tais como a “ausência de reciprocidade” (parágrafo único do art. 53), e o fato de o caput do art. 53 não mencionar “atividade econômica”, certamente, serão de grande importância quando tiverem os contornos definidos pelo Superior Tribunal de Justiça, para que se ponha fim às divergências doutrinárias.  Pode ser, que, ante o que dispõem os art. 53 e 981, haja evolução doutrinária e jurisprudencial no sentido de que sejam tidas por “associações” apenas as que além da ausência de finalidade lucrativa também não tenham como objeto principal  “atividade econômica”.   Neste caso seguro e previdência, por serem essencialmente “atividade econômica”, não poderiam ser objeto de “associação” e sim de “sociedade” que, no caso, seria “sociedade simples, especial, por sem fins lucrativos”. 

Doutrinamos, no parecer, que ora curamos de atualizar, que as “entidades abertas de previdência privada sem fins lucrativos” são “associações especiais” e assim o fizemos tomados apenas pela “ausência de finalidade lucrativa” das referidas entidades e para aproximar da terminologia do Código Civil de 2002, porém, o raciocínio suso transcrito, pela lógica, também nos agrada e entendemos possa ser utilizado o termo “sociedade simples, especial, sem fins lucrativos” sem agressão ao texto legal desde que adotada a tese de que somente pode ser tida por associação a pessoa jurídica que não tenha como atividade principal “atividade econômica”.  Neste caso, somente as pessoas jurídicas que, além da ausência de finalidade lucrativa, também não possuíssem como atividade principal “atividade econômica” é que poderiam ser tidas como “associação”.

Não houve substituição das “sociedades civis” pelas “sociedades simples” e não é este o motivo pelo qual as entidades de previdência privada sem fins lucrativos assim podem ser consideradas.  O que permite tal conclusão é a existência de “atividade econômica”, cuja ausência pode ser considerado elemento obrigatório a caracterizar a associação.

Certo é, no entanto, que se adotada a tese de necessária “ausência de atividade econômica” somente poderão ser tidas como “associações” as que tenham objetivos “pios, morais, artísticos e beneficentes”, e que não tenham por objetivo (atividade) principal “prestações de serviços (apresentações musicais, por exemplo) remuneradas dos que lhes forem associados”, nada obstante possam ter  atividade econômica secundária para se manterem (apresentações esporádicas, com reversão de todos os recursos para a associação).

 

Isso é lógico, pois como o art. 53 não diz que as “associações praticam atividade econômica”, o permitir isso seria acréscimo dado pela doutrina, como sempre ocorreu e a limitação a esta “atividade econômica” pode ser fruto de interpretação científica do que disposto no artigo.

 

Mesmo a distinção feita por J. M CARVALHO SANTOS, pois, que sustentou, baseado na legislação da época, que a associação pode ter “atividade econômica”, desde que não tenha “fins lucrativos”, terá de ser revisto, não para lhes retirar essa possibilidade, mas para quadrá-las, talvez, com as novas realidades sociais.  Assim, aceitamos que se considere como “associação” apenas a pessoa jurídica que atenda ao disposto no art. 53 e seguintes do Código Civil e que não tenha como atividade principal “atividade essencialmente econômica”.  Neste caso, as entidades de previdência privada sem fins lucrativos” não poderiam ser tidas por “associações especiais”, pois que a atividade que lhes é própria é essencialmente econômica;  ao passo que teriam de ser tomadas como “sociedades simples, especiais, sem fins lucrativos” e os participantes,  clientes que são, teriam de ser considerados meros contratantes (como ocorre nas entidades fechadas constituídas sob a forma de fundação), o que de maneira alguma altera a conclusão do presente parecer, quanto à inaplicação do art. 2.031 do Código Civil.

 

Ficaria garantido, neste caso, que associações pudessem ter “atividade econômica”, desde que utilizadas para mantê-las e que não lhes fosse atividade principal. (exemplo: a  “associação de músicos”, citada por J. M. CARVALHO SANTOS,  somente poderia ser considerada por “associação” se o objetivo principal não fosse a apresentação remunerada de seus membros, e que referidas apresentações remuneradas fossem feitas apenas como atividade acessória necessária a manter a associação.)

 

4.4.1 –                           LIBERDADE DE ASSOCIAR

E NÃO-INTERVENÇÃO ESTATAL

 

Interessante notar, outrossim, que o inciso XVIII, do art. 5°  da Constituição Federal dispõe que “a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;” o que foi usado como argumento para afastar prima facie a hipótese de as entidades de previdência privada abertas sem fins lucrativos serem associações, tese essa com a qual não  concordamos porque as premissas foram mal colocadas e esse inciso é aplicável, também, às sociedades

 

Antes do Código Civil de 2002 não havia distinção entre
associação e sociedade, como já exposto nos itens 3.1 e 3.2, o que força a conclusão de que a liberdade de associação mencionada no inciso XVIII  é liberdade de criar “associação” ou “sociedade” independentemente de autorização estatal.

 

Nesse sentido JOSÉ AFONSO DA SILVA (“Curso de Direito Constitucional Positivo”, p. 269/271, 19ª ed. Malheiros Editores, 2002), apoiado em lição de PONTES DE MIRANDA, quando diz, conforme legislação anterior ao Código Civil de 2002, que a  liberdade de associação inclui tanto as associações em sentido estrito  quanto as sociedades, além de compreender as bases gerais e os fundamentos primeiros dos partidos políticos, que seriam, para ele, “espécies de associações com disciplina constitucional específica estabelecida no art. 17.”

 

Faz-se mister distinguir, no entanto, a “restrição de atividade” (v.g. atividade inserta no “sistema financeiro nacional” – art. 192 da CF) com intervenção e restrição à liberdade de “associação”.

 

A atuação irregular de determinada pessoa jurídica em atividade para a qual não possui a necessária autorização não transforma sua estrutura, ou seja, continua ela a ser a mesma pessoa jurídica somente que  a atuar irregularmente.  Logo, se é associação que está a atuar em atividade que necessita de intervenção e autorização estatal com autorização do Estado,  se tal fato fosse irregular – e não o é – não se despiria por isso, de si por si, da condição de associação para se transformar em sociedade.

 

 Embora haja realmente o referido inciso XVIII da Constituição Federal disposto que “é livre a criação de associação e que o Estado não pode intervir em seu funcionamento”, isso não serve como argumento jurídico para descaracterizar as entidades de previdência complementar sem fins lucrativos e transformá-las, de si por si, em sociedades. Não. O inciso XVIII da Constituição Federal  deve ser lido em consonância com o anterior (XVII) que diz que “é plena a liberdade de associação para fins lícitos”, ou seja, se o Estado pode intervir e mesmo dissolver com uma associação que tenha fins ilícitos ou que com o tempo passe a tê-lo, como o fez – verbi gratia – com a associação de torcedores Grêmio Gaviões da Fiel Torcida (TJSP, – AP 102.023-4/3 – 3ª Câm. J. 17-10-2000 – Rel. Dês. Ênio Santarelli Zuliani – RT 786/163) e o fará com relação a qualquer “associação de fins criminosos”, o princípio do inciso XVIII de “não-intervenção” estatal já aí está mitigado.

 

  Razão por que entendemos afastado o argumento de que não possam existir “associações” autorizadas a funcionar, dado que a recepção feita pelo inciso II do art. 192 e 202 da Constituição Federal às regras da Lei n° 6.435/77 e Decreto n° 81.402/78 atesta justamente isso, que havia e há entidades consideradas “associações” que têm de ter autorização estatal e cujo funcionamento também pode lhes ser  disciplinado, além de ser o dispositivo constitucional aplicável às associações e sociedades.

 

  É que aí para que a atividade fosse lícita como requeria o inciso XVII, do art. 5°  havia de se observar a lei,  e foi a própria Constituição (a “lei maior”) que determinou que essa lei regrasse “autorização e funcionamento de entidades de previdência privada” independentemente do que fossem (associações ou sociedades),  o que  mitiga o princípio do inciso XVIII do art. 5°.

 

Quando se tratasse de “associação cuja atividade integrasse o sistema financeiro nacional” a que aludia o inciso II, do art. 192  da Constituição Federal a autorização para funcionamento tinha de ser dada e sofria referida associação intervenção estatal sem nenhuma ofensa ao princípio constitucional de 

“liberdade de associação”, porquanto o que se limitava aí era a “atividade” e o preceito constitucional era dirigido às associações e sociedades indistintamente.

 

PONTES DE MIRANDA (ob. Cit. p.40), ao tratar da proteção constitucional da liberdade de associação diz que isso não significa que se tenha de permitir a exploração de qualquer atividade a estrangeiro.  A liberdade que se assegura, é de associação.  Se a associação ou a sociedade tem por fim atividade que só a Brasileiros se admite, com isso não se restringiu a liberdade de associação;  o que se estabeleceu foi a restrição, no interesse nacional, de determinada atividade.  Mutatis mutandis, o que afirmado serve ao caso sob apreço, onde não se nega o direito constitucional de “livre associação”, mas há restrição de atividade ligada ao sistema financeiro por quem não devidamente autorizado. 

 

O raciocínio acima, posto  tenha sido elaborado com base na redação do inciso II, do art. 192 da Constituição Federal, vigente à época da promulgação da Constituição Federal e da recepção da Leis n° 6.435/77 que regrava as entidades tal como constituídas, continua válido mesmo ante a revogação do referido inciso pela Emenda Constitucional n° 40/03

 

As “associações” que sejam de interesse público, notadamente as que integram o Sistema Financeiro Nacional, como por exemplo as “associações de poupança e empréstimo” mencionadas por ALOYSIO LOPES PONTES (“Instituições Financeiras Privadas”, págs. 163 e segs., Forense, 1972) não podem, pois,  dispensar a “autorização” a ser dada por lei complementar.

 

 

4.4.2 –                CATEGORIAS DIFERENTE DE ASSOCIADOS

    “VANTAGENS ESPECIAIS” –C.C. ART.55

 

É bem que se ressalte que mesmo o novo Código Civil, ao dispor sobre “associações”, permite categorias diferentes de associados, no art. 55, abaixo transcrito, verbis:

 

“Art. 55. Os associados devem ter iguais direitos, mas o estatuto poderá instituir categorias com vantagens especiais.”

 

 Ficará a cargo do doutrinador, e do julgador, o dizer o que sejam as “vantagens especiais”, mas, de qualquer forma, não distoa da regra contida na legislação previdenciária privada, que permite a existência dos “associados controladores”  e dos “simples participantes de planos previdenciários”.

 

MARIA HELENA DINIZ (“Novo Código Civil Comentado”, sob a organização de RICARDO FIUZA, pág. 70, comentário ao art. 55, Saraiva, 2003), quanto ao art. 55  da Lei n°10.406/02, diz que:

 

“.Posições privilegiadas e outorga de direitos especiais:  O ato constitutivo poderá, apesar de os associados deverem ter direitos iguais, criar posições privilegiadas ou conferir direitos preferenciais para certas categorias de membros, como, p. ex.: a dos fundadores, que não poderá ser alterada sem o seu consenso, mesmo que haja decisão assemblear aprovando tal alteração;  a de sócios remidos de determinado clube, que pagam certa importância em dinheiro para ter o direito de peretncer vitaliciamente à associação, sem mais dispêncios, não podendo, assim, a assembléia deles exigir pagamento de outra contribuição, salvo se houver seu expresso consentimento ou se for tal exigência imprescindível para obter meios necessários à sobrevivência da associação.”

 

DE PLÁCIDO E SILVA (“Vocabulário Jurídico”, tomo 4, verbete Vantagem, Forense, 1980) expõe que o termo “vantagem”, provêm do francês avantage (benefício, proveito, lucro) e que em sentido especial “a vantagem pode manifestar-se como uma prioridade, um benefício particular, ou uma regalia, que se estabelece em favor de um, em relação a outros.”

 

Pelo que exposto, nada de mais que, em se tendo as entidades abertas de previdência complementar sem fins lucrativos por “associações” tal como previstas no Código Civil de 2002,  subsistam as categorias chamadas de “associados controladores” e dos ´associados simplesmente “participantes de planos previdenciários” previstas na Lei n° 6.435/77, Decreto n° 81.402/78 e demais normas aplicáveis perdurem cada qual com seus “deveres”, “privilégios” e “vantagens” (quanto aos controladores o de designar a diretoria e responder em caso de insucesso, inclusive com “indisponibilidade de seus bens”;  quanto aos “participantes” o de possuírem crédito privilegiado em caso de “liquidação extrajudicial” e não responderem por insucesso da atividade). 

 

De suma relevância notar que não há “vantagens” apenas para os “controladores” (a de poderem designar a diretoria), porquanto os que são simples “participantes” também as possuem, bem que de ordem diferente (créditos privilegiados e não responderem por insucesso).  As desvantagens, por assim dizer, são, pois, plenamente razoáveis  ante os direitos próprios a  cada categoria de associado.   

 

RENAN LOTUFO (“Código Civil Comentado”, pág. 160, comentários ao art. 55, Saraiva, 2002), sem muita clareza nesse aspecto, diz que “…A exceção à igualdade de direitos dos sócios deve decorrer de exceção expressa, que confirme o princípio da igualdade na sua operacionalidade, isto é, desigualdade decorrente das condições participativas dos associados, quer  pelas contribuições, quer pela intensidade do labor.”, o que, aparentemente, ratifica também a tese de que, pela “intensidade do labor” (responsabilidades inclusive civis e criminais) possam os controladores designar a diretoria.

 

Nosso direito pátrio, longe de repelir a possibilidade de “sócios ou associados” poderem ter “vantagens pecuniárias ou políticas”, expressamente as prevê, em vários dispositivos legais, entre os quais no art. 17 da Lei das Sociedades Anônimas (Lei n° 6.404/76), onde as “ações preferenciais” têm “preferência ou vantagem pecuniária” (direito a dividendos 10% maiores do que os atribuídos às ações ordinárias) com prejuízo de “direito ou vantagem política” ou seja o “direito de voto” ques lhe foi suprimido pelo art. 111 da mesma lei.

 

Ainda na Lei de Sociedades Anônimas, sob o título “VANTAGENS POLÍTICAS”, o art. 18 dispõe em seu caput que “o estatuto pode assegurar a uma ou mais classes de ações preferenciais o direito de eleger, em votação em separado, um ou mais membros dos órgãos de administração.”

 

FRAN MARTINS (“Comentários à Lei das S.A.”, vol. 1, p.. 120/121, item 68 e 69, 3ª ed., Forense, 1989), ao comentar o art. 18, diz que “pela lei anterior, as vantagens ou privilégios atribuídos às ações preferenciais eram apenas de ordem pecuniária;  não tinham tais acionistas direito a uma representação na administração da sociedade, cabendo-lhes, apenas, eleger um membro do conselho fiscal (art. 125), que é órgão fiscalizador e não de gestão da sociedade.” Com finalizar, ressalta que a lei atual, ampliou as vantagens políticas dos acionistas preferenciais (p. 121, item 69), ou seja, enfatiza a existência de “vantagens políticas”.

 

Este era o entendimento do Decreto-Lei n° 2.627/40 comentado por ilustres juristas, entre os quais TRAJANO MIRANDA VALVERDE (“Sociedades por Ações”, vol.1, p.124, 2ª ed., Forense, 1953) que, em parágrafo elucidativo expõe que a  vantagem poderá consistir justamente  no “direito de voto”:

 

“Veio, pois, o referido decreto possibilitar a criação de duas sortes de ações preferenciais, tomado esse termo em sentido amplo:  as ações de direção e as ações preferenciais, em sentido estrito.  As primeiras, se os estatutos recusam o direito de voto às segundas, constituirão, praticamente, ação de voto privilegiado.  A sua vantagem consistirá no fato de somente poderem os seus titulares votar nas assembléias, tomar, enfim, parte ativa na administração da sociedade.  As segundas gozarão de vantagens exclusivamente pecuniárias (art. 10)”

 

No mesmo sentido CARLOS FULGÊNCIO DA CUNHA PEIXOTO (“Sociedades por Ações”, v. 1, p. 120, Saraiva, 1972), quando enfatiza que a  vantagem pode consistir no direito de votar:

 

A vantagem, caracterizadora da ação preferencial, é de ordem econômica, pois não resta dúvida de que as ações ordinárias, hoje, no Brasil, são também privilegiadas no tocante ao direito de voto.(…) Desta maneira, podemos dizer que, em sentido lato, todas as ações no Brasil são privilegiadas:  as ordinárias, mantendo para seus titulares a exclusividade do direito de voto e as preferenciais uma vantagem econômica.”

 

Como o Código Civil de 2002, em seu art. 55 diz que o estatuto pode prever categorias de associados com vantagens especiais, sem dizer se são “vantagens políticas” ou “vantagens pecuniárias”, presume-se aí a liberdade de cada associação ditar as vantagens que quadrarem melhor com o funcionamento para atingirem as finalidades para as quais foram criadas, que não só podem ser ser “políticas”, que também “pecuniárias”.

 

Claro, portanto, que, no Brasil, o direito de “voto” não é direito essencial de sócio ou associado, tem natureza contratual, e pode ser suprimido, isto não só pela orientação seguida assim pelo direito brasileiro, como também alemão, norte-americano, suíço e italiano entre outros, como abaixo demonstraremos.

 

4.4.3 –                           DESIGNAÇÃO DE  DIRETORIA

             ELEIÇÃO INDIRETA – ART. 59 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002

                            DIREITOS-ESPECÍFICOS PREFERENTES

 

 

Como afirmado no item anterior, há problema de interpretação que surge com o advento do novo Código Civil quanto ao alcance do art. 59, e a tentativa de o aplicar às entidades de previdência privada sem fins lucrativos, artigo esse que diz:

 

Art. 59. Compete privativamente à assembléia geral:

I – eleger os administradores;

II – destituir os administradores; (…)

 

Pelo art. 59 do novo Código Civil seria a assembléia geral (presume-se “de todos os associados”) que privativamente teria de eleger e destituir os administradores, o que seria incompatível com os comandos da Lc 109/01, Lei n° 6.435/77 (art. 30) e Decreto 81.402/78 (art. 38), que fazem distinção entre “controladores” e simples “participantes de planos previdenciários”.  Só que como é cediço a nova lei geral não revoga a especial (Lei de Introdução ao Código Civil, Decreto-Lei n° 4.657, de 4 de setembro de 1942, com as alterações introduzidas pela Lei nº 3.238, de 1º de agosto de 1957, art. 2, §§ 1° e 2°), além de ser cabível a realização de “assembléia de associados com poder de voto” (categoria que teria essa “vantagem especial”, no dizer do art. 55 da Lei n° 10406/02 – Novo Código Civil).

 

PONTES DE MIRANDA ao estudar as pessoas jurídicas do Código Civil de 1916 deteve-se no “princípio de igualdade” que norteia a relação dos membros, sobremaneira no assunto que denominou “direito-específico preferente” (“Tratado de Direito Privado”, Tomo I, p. 464/468, Ed. Bookseller, 1999), com dizer:

“Os direitos-específicos preferentes (Sonderrechte) são aqueles que pertencem aos membros, sem que todos os membros os tenham.  Nasceram da desigualdade, embora sem infração dos princípios;  razão por que, para os eliminar ou diminuir, se precisa do assentimento dos seus titulares.  Tal o verdadeiro conceito, que se presta a doutrina e muito nos revela da natureza dos direitos específicos e da dupla classe em que se distribuem.  Direitos específicos preferentes são os que, pelos estatutos, se atribuem a um, alguns ou classe de membros.  Já P. Laband fixava-o, em 1874 (sobre isso, K. Lehmann, Einzelrecht und Mehrheitswillw, Archiv für Bürgerliches Recht, IX, 301 s).  O que pertence a todos os membros não é direito específico preferente;  é específico geral.  Daí as críticas que sofreu, por exemplo, G. Planck, nas edições anteriores à 4ª ed., do Kommentar.  O princípio igualitário rege os direitos específicos gerais e os preferentes da mesma classe, embora, para a preferência, se haja aberto exceção àquele;  e, é tal princípio que impede eliminar-se ou diminuir-se o  direito específico geral contra um ou alguns membros e outros não.  O direito de voto plural, que é específico (voto) e preferente (plural), o direito a ser diretor de tal departamento, que é realização da possibilidade de ser direito mais preferência, a dispensa de contribuição, que é preferência que elimina obrigação específica, a maior participação nos lucros, que é direito específico (participação) e preferente (maior), o direito de uso exclusivo, ou em classe, do salão de conferências, todos eles são direitos específicos preferentes.  Depende do ato constitutivo, ou de alteração dele, de acordo com ele.  (…)(grifamos)

 

Ao prosseguir enfatiza PONTES DE MIRANDA  que foi repelida a opinião que confundia indistintos os direitos específicos gerais e os preferentes e que o direito a voto pode ou não ser outorgado ao membro da pessoa jurídica.  Diz o saudoso jurista (Ob. Cit. p. 467):

 

“O direito de voto é direito formativo (gerador, nas eleições;  modificativo, e. g., nas alterações de estatutos;  extintivo, nas exclusões e dissoluções). A afirmação, que fazemos, opõe-se à construção de A.Von Tuhr (Der Allgemeine Teil, I, 551), para que se trataria de simples faculdade de poder.  Ora, o poder que tem o representante, digamos, o mandatário, é todo o conteúdo do que se lhe outorgou, ao passo que o direito de voto é direito por si, que pode estar, ou não, incluído no rol de direitos e poderes que tem o membro de pessoa jurídica.  Quanto à capacidade eleitoral passiva (elegibilidade para órgão, ou membro de órgão), não é direito, é possibilidade de ter direito, que não se pode eliminar nem restringir sem se atenderem os princípios.

 

TRAJANO MIRANDA VALVERDE (“Sociedades por Ações”, vol.1, p.124, 2ª ed., Forense, 1953) em parágrafo elucidativo quer quanto à possível supressão do direito de voto, quer quanto à vantagem que poderá consistir no “direito de voto”, expôs, ao comentar o art. 9° do Decreto-Lei n° 2.627-40, que regia as sociedades anônimas antes da Lei n° 6.404/76: 

 

“Veio, pois, o referido decreto possibilitar a criação de duas sortes de ações preferenciais, tomado esse termo em sentido amplo:  as ações de direção e as ações preferenciais, em sentido estrito.  As primeiras, se os estatutos recusam o direito de voto às segundas, constituirão, praticamente, ação de voto privilegiado.  A sua vantagem consistirá no fato de somente poderem os seus titulares votar nas assembléias, tomar, enfim, parte ativa na administração da sociedade.  As segundas gozarão de vantagens exclusivamente pecuniárias (art. 10)”

 

No mesmo sentido CARLOS FULGÊNCIO DA CUNHA PEIXOTO (“Sociedades por Ações”, v. 1, p. 120, Saraiva, 1972), quando enfatiza que o direito de voto pode ser suprimido e quanto à vantagem que consiste no direito de votar:

 

A vantagem, caracterizadora da ação preferencial, é de ordem econômica, pois não resta dúvida de que as ações ordinárias, hoje, no Brasil, são também privilegiadas no tocante ao direito de voto.(…) Desta maneira, podemos dizer que, em sentido lato, todas as ações no Brasil são privilegiadas:  as ordinárias, mantendo para seus titulares a exclusividade do direito de voto e as preferenciais uma vantagem econômica.”

 

CARLOS FULGÊNCIO DA CUNHA PEIXOTO (“Sociedades por Ações”, v. 2, p. 346/348, em especial § 638, Saraiva, 1972), mais adiante, conclui com dizer que o voto não é direito essencial e que pode ser suprimido.  Eis o comentário que faz, ao analisar o princípio da “proporcionalidade” do voto:

 

“O princípio de que cada ação representa um voto é decorrência deste princípio  e tem sido, com maior ou menor largueza, aceito pela legislação das diversas nações.  De fato, estes países admitem representar seu voto apenas um direito natural e não essencial à qualidade de sócio e, assim, torna-se lícito, introduzir modificações e até suprimir este direito.  Por isto é que alguns países, posto adotem o princípio da proporcionalidade, estabelecem o número de votos máximos que pode reunir um acionista.

(…)

638.  Filiou-se a atual lei brasileira a esta corrente.  Para o Decreto-lei n° 2.627, de 1940, o voto é um direito natural, mas não essencial. Destarte, é correta a afirmativa de ser o voto um direito social legal, o que indica advir ele de um preceito de lei.”

 

WALDEMAR FERREIRA (“Tratado das Sociedades Mercantis”, v. IV, p. 1.029, 5ª ed., Ed. Nacional de Direito, 1958), ao comentar o Decreto-Lei n° 2.627-40, citou o decreto anterior,  Decreto n° 21.536/32, que cortou controvérsias doutrinárias sobre a possibilidade de existência das ações preferenciais e ações com direitos e vantagens diferentes, nos seguintes termos:

 

“Os estatutos, criando as ações preferenciais, ao lado das ordinárias, também de comuns chamadas, podiam deixar de conferir àquelas algum ou alguns dos direitos reconhecidos a estas, inclusive o de voto;  ou conferi-lo com restrições.”

(…)

Se esse era o regime das ações privilegiadas emergente do Decreto n° 21.536, de 15 de junho de 1931, estão elas agora submetidas ao do Decreto-Lei n° 2.627.  Podem ser, referem o art. 9° e parágrafo único, de uma ou mais classes.  As sem direito de voto não podem ultrapassar a metade do capital social.”

 

Com o que, ante o conteúdo do art. 55 do Código Civil de 2002, não é de se estranhar que  possa ser lido o art. 59 como “assembléia dos associados com direito a votos”, mormente pelo que disposto no art. 58 do mesmo diploma.

 

Inclusive a possibilidade de o “associado deter quotas do  patrimônio da associação” (parágrafo único do art. 56), atesta a existência do direito-específico preferente e, inclusive não muito justificável ante o “fim não-econômico” que deve ter a associação (art. 53), pois valorização do patrimônio desta implicará automaticamente “aumento do valor da quota patrimonial do associado” e quer se queira quer não, “lucro” (lato sensu) para o titular – indisponível enquanto na associação mas ainda assim “lucro”, que poderá ser auferido caso seja facultada a transmissão da qualidade de associado (art. 54).  Essa é apenas uma das questões que de futuro terão de ser solucionadas pela doutrina e jurisprudência sobre o tema. 

 

Com tantos “direitos e vantagens diferenciados”, inclusive quanto ao patrimônio da associação, que muito que alguns detenham poder de controle e responsabilidade por isso, enquanto outros não?

 

O novo Código Civil, quando quis garantir o direito de voto a integrante de sociedade o fez expressamente, como, por exemplo, no inciso VI, do art. 1.094, quanto à cooperativa;  abstendo-se de regular as sociedades anônimas (art. 1.089),  permitiu continuassem regradas por lei que prevê “ações”  sem direito a voto.

 

Na Lei de Sociedades Anônimas (Lei n° 6.404/76), como afirmado, o direito de voto não está elencado entre os “direitos essenciais do acionistas” previstos no art. 109, razão pela qual, seguindo a escola contratual da common law  do direito anglo-americano, o legislador brasileiro ao disciplinar o “direito de voto”, o teve como as demais prerrogativas inerentes à qualidade de acionista, ou seja, com origem contratual, conforme destaca MODESTO CARVALHOSA (“Comentários à Lei de Sociedades Anônimas”, vol. 3, p. 323 e sgs., comentários ao art. 110, ed. 1997, atualizada, Saraiva).

 

Antes de serem extintas pela Lei n° 8.021/90 (que revogou o art. 33 da Lei n° 6.404/76), existiam as “ações ordinárias ao portador” que não possuíam direito a voto e, ainda hoje, existem ações preferenciais sem direito a voto e que somente o adquirem em situações excepcionais, conforme disposto no art. 111 da Lei n°  6.404/76, cujo caput reza: “O estatuto poderá deixar de conferir às ações preferenciais algum ou alguns dos direitos reconhecidos às ações ordinárias, inclusive o de voto, ou conferi-lo com restrições, observado o disposto no art. 109.” (grifamos)

 

Tal como o direito brasileiro, o  direito norte-americano, alemão, suíço e italiano permitem a emissão de ações sem direito de voto;  ao passo que o direito francês e belga entendem que o direito a voto seria preceito de ordem pública. (Cf. Modesto Carvalhosa, ob. Cit., pág. 351/352) 

 

MIGUEL REALE, supervisor da Comissão Revisora e Elaboradora do Código Civil, em artigo disponível em seu site (www.miguelreale.com.br), intitulado “As Associações no Novo Código Civil”, expõe que, ipsis litteris:

 

                 

           “…Não é dito, assim, que os cargos que compõem a Diretoria da associação devam ser eleitos pela assembléia geral, para cada um deles, podendo o estatuto social estabelecer a escolha por ela de todos os componentes de um Conselho, cabendo a este, depois, a designação, dentre os seus membros, dos titulares dos cargos de direção.

           Com tais medidas fica preservado o direito dos associados de decidir livremente sobre o processo de administração que julguem mais adequado aos interesses da entidade, preferindo a eleição indireta de seus diretores, bem como que a eleição não seja global, mas apenas para uma das partes do Conselho, na proporção e datas previamente estabelecidas.

           Parece-me que a eleição dos dirigentes feita em dois ou mais pleitos é a mais indicada para as associações de grande porte e com valores da tradição a serem preservados, visto como, com tais providências, a renovação do quadro dirigente se operará sem rupturas e descontinuidade indesejáveis.

           Como se vê, o entendimento que estou dando às determinações do novo Código Civil sobre associações é o que melhor atende ao exercício da “liberdade de associação” assegurada pelo Inciso XVII do artigo 5º da Constituição federal, sem o seu prejudicial engessamento, resultante de restrita interpretação da lei, sem se atender ao  valor essencial da liberdade….”

 

Importante frisar que, apesar de MIGUEL REALE ser infenso à eleição da diretoria por “outro órgão que não seja a assembléia geral, como, por exemplo, os chamados associados fundadores”, não se pronunciou quanto à possibilidade de vir expresso nos estatutos que somente poderão participar da “assembléia” prevista no art. 59 determinada categoria de associados e nem tampouco fez, ainda, parecer específico para as “associações e sociedades” regidas por leis próprias (art. 2.033 do Novo Código Civil), como é o caso das entidades abertas de previdência complementar sem fins lucrativos.

 

4.4.4 –           “PARTICIPANTES”: CONTRATANTES DE PLANOS

PREVIDENCIÁRIOS    OU  “ASSOCIADOS/SÓCIOS” ?

 (Entidades Fechadas Fundacionais)

 

Quanto ao argumento de que “não podem poucos associados (os controladores) dispor da poupança de todos, sem que os demais associados tenham direitos e poderes iguais, reiteramos  que sob o ponto de vista jurídico é plenamente aceitável pelas razões já expendidas (tanto as históricas pela evolução da sociedade de seguro mútuo, como as insertas no novo Código Civil e na própria Lei de Sociedades Anônimas) e sob ponto de vista social ser frágil o argumento, pois que nas sociedades anônimas que operam com planos previdenciários (e dispõem sobre a poupança de milhares de pessoas) a eleição da diretoria se faz por assembléia dos “acionistas” e não dos “clientes de planos previdenciários” (participantes), além do que nem todos os acionistas tem direito a voto.

Embora o parágrafo único do art. 1°, art. 30 e 85 da Lei n° 6.435/77 mencionem expressamente que os participantes das entidades abertas serm fins lucrativos seriam associados, o que deveria ocorrer também com as entidades fechadas – que também são sem fins lucrativos, a evolução legislativa permitiu que as entidades fechadas fossem também constituídas sob a forma de fundação (art. 5°), o que, por óbvio, implica a inexistência de “sócio” ou “associado” e força a conclusão de que o “participante” é “participante de plano 

previdenciário”  e não “participante da entidade”.  Com isso, mitigou-se o alcance do art. 1.466 do Código Civil de 1916.

Necessário, para bem se por o problema, que se adote uma das teses integralmente, ou seja, ou subsiste o § 1°, do art. 77 da Lei Complementar n° 109/01 com a Lei n° 6.435/77 e o Decreto n° 81.402/78, com a figura do “participante que é sócio ou  associado” (art. 30 da Lei n° 6.435/77 e art. 14 do Decreto n° 81.402/78), caso em que o Código Civil somente pode ser considerado norma suplementar e aplicável apenas no que couber;  ou se sustenta que está revogado (sic) o § 1° do art. 77 da Lei Complementar n° 109/01, e a Lei n° 6.435/77 e o Decreto n° 81.402/78, caso em que se aplica in totum o Código Civil, mas sem a figura do “participante que é associado”, pois esta só existe no Decreto e Lei que se têm por revogados.  O que não pode, e reside aí a grave contradição, é pretender que todas as “entidades de previdência privada sem fins lucrativos” adaptem os seus estatutos ao que, em tese desprovida de fundamentação, se  entenda seja o determinado pelo Código Civil, id est, pretender que simples “participantes de planos previdenciários” sejam chamados a participar de assembléia para eleição de diretoria da associação,  pois que o novo Código Civil não prevê no seu capítulo referente às associações que todos os que com ela contratarem serão “associados” e muito menos com direito a voto.

 

  Nem tampouco menciona o novo Código Civil  a existência da figura do associado ou sócio “participante de plano previdenciário”, daí afirmarmos que não há embasamento legal para a tese de que as entidades de previdência privada são associações regidas pelas regras gerais do Código Civil, ou sociedades simples sem fins lucrativos como veremos.

 

Há ainda o grave problema que seria criado para os “participantes” que hoje, amparados pela Lei Complementar n° 109/01 e Decreto n° 81.402/78 não respondem pelos insucessos da atividade econômica (não “finalidade” e sim “atividade”) e que doravante, a vingar a tese e necessidade de adaptação in totum aos dispositivos do novo Código Civil que dizem com as “associações” e principalmente pelo princípio da isonomia, teriam de responder como todos os demais associados – caso fossem considerados como tais.

 

De par com os argumentos acima, some-se os que dizem com a possibilidade de existência de associados com vantagens políticas especiais (direito a voto) e outros sem essa vantagem, conforme permitido pelo art. 55 comporem a assembléia mencionada no art. 59 do Código Civil de 2002, pois tendo a lei brasileira (igualmente à norte-americana, alemã, suíça, e italiana entre outras) permitido a supressão do direito de voto não se tem este por “direito essencial dos associados”.

 

 

 

4.4.5 –         POSSIBILIDADE APENAS SE ENQUADRADAS COMO

          ASSOCIAÇÕES “SUI GENERIS”, REGIDAS POR LEI  ESPECIAL

 

Por tudo o que exposto nos itens 4 a 4.3 do presente parecer, as entidades abertas de previdência complementar sem fins lucrativos poderiam ser enquadradas como “associações especiais” (associações “sui generis”) regidas por lei própria (Lei Complementar n° 109/01, § 1° do art. 77;  mais os arts. 5°, 11 a 13 e 30 da Lei n° 6.435/77 e arts. 14 a 21 c/c 38 a 40 do Decreto n° 81.402/78 integrados que foram ao § 1° do art. 77 da Lc n° 109/01; e Resolução CNSP n° 53/01) que não devem se sujeitar às regras gerais pertinentes às associações previstas no Código Civil de 2002, nem tampouco modificar seus estatutos na forma prevista no art. 2.031, pela ressalva feita pelo art. 2.033 c/c art. 777 e art. 1.123, todos do mesmo diploma legal.

 

O Código Civil de 2002 é lei ordinária e geral e não revoga lei complementar específica, no que diz com as entidades abertas de previdência complementar sem fins lucrativos, que continuam a ser “tipos especiais de seguro” (seguro mútuo do antigo art. 1.466 do Código Civil de 1916) regidos por lei própria como ressalva o art. 777 do Código Civil de 2002 e também entidades que tem de ter autorização para funcionar (art. 1.123 do Código Civil) o que reforça a remissão à legislação especial.

 

Podem, no entanto, dependendo do que a doutrina e o Superior Tribunal de Justiça utilizarem na interpretação científica dos arts. 53 e 981 do Código Civil 2002, ser tidas por “sociedades simples, especiais, sem fins lucrativos”, conforme já afirmado acima, no item 4.3, in fine, e será melhor expendido abaixo.

 

4.5 –                         CRÍTICAS AO ENQUADRAMENTO

COMO SOCIEDADE SIMPLES

 

 

A atipicidade societária, baseada na autonomia contratual e na necessidade de garantia da livre atividade negocial (art. 170 da CF), é permitida no direito brasileiro, com algumas restrições pertinentes às especificidades do direito societário, como sustentam NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY (“Novo Código Civil e Legislação Extravagante Anotados”,p.348, ed. RT, 2002) em lição de AURELIO MORELLO (Le società atipiche, 1983), PAOLO SPADA (La Tipicità della società, 1974), e RACHEL SZTAJN (Atipcidade de sociedades no direito brasileiro, Tese, USP, 1987), com o que não é de se estranhar que se tomem as entidades abertas de previdência complementar sem fins lucrativos, ainda hoje, como sociedades especiais, mormente quando o próprio Código de 2002 não é rígido na regra baseada na “atividade” que usa para distinguir as “sociedades simples da empresária” no caput do art. 982, pois que o parágrafo único deste artigo já dá exceção à regra determinando que “independentemente de seu objeto” considera-se empresária a sociedade por ações e simples a cooperativa”.

 

Como já afirmado (cf. item 4.3, supra), os doutrinadores  atuais, à exceção de um que outro, não aprofundaram a distinção entre “associação” e “sociedade”, preferindo apenas dizer que aquelas não têm fins lucrativos e estas sim, o que não basta.

 

Pela tese apresentada por alguns autores, tais como SÍLVIO DE SALVO VENOSA (“Direito Civil – Contratos em Espécie”p. 327 e 330, 3ª Ed., ATLAS, 2003), que enfaticamente defendem que as antigas “sociedades comerciais” são as atuais sociedades empresárias no novo Código Civil de 2002, e que  as “antigas sociedades civis” são as atuais “sociedades simples”, há quem pense estar resolvido o problema conceitual das entidades abertas de previdência privada sem fins lucrativos ao inclui-las entre as sociedades simples.  Distoamos desse entendimento simplista e nos valemos do pensamento da maioria dos doutrinadores que defendem a tese acima, pois que entendem também que somente se aplica às antigas “sociedades civis com fins lucrativos”, pois que as sem fins lucrativos seriam, hoje, associações.  Nenhum deles afirmou a existência de “sociedade simples sem fins lucrativos”

 

Após havermos nos pronunciado no parecer de setembro de 2004, que ora curamos de atualizar, foram emitidos pareceres de alguns juristas, entre os quais o PARECER JURÍDICO GAB/SPC N° 0000/03, do Doutor MAURÍCIO CORRÊA SETTE TÔRRES, Assessor Especial do Gabinete, o qual tivemos acesso pela internet, que, com sustentar não ser aplicável às entidades fechadas o novo Código Civil de 2002, por serem, segundo seu entendimento “sociedades civis especiais” regidas por lei complementar, sobre esclarecer que teriam correspondência nas sociedades simples do referido Código, deu ensejo à publicação da Portaria da Secretaria de Previdência Complementar n° 02/04.

 

Para justificar seu entendimento, expôs pensamento, entre outros, de SÉRGIO CAMPINHO, quando este jurista afirma que as “sociedades civis com fins lucrativos” terim sido substituídas pelas atuais sociedades simples.  Nada obstante, o respeito pela tese, ressaltamos, conforme por nós já grifado, que SÉRGIO CAMPINHO fala das antigas sociedades civis com fins lucrativos e não das sem fins e que para ele as antigas sociedades civis sem fins seriam atualmente associações e sequer esta correlação existe na prática em todos os casos.

 

Em que pese à ressalva feita,  merece atenção especial a conceituação das cooperativas, que em trabalho bem desenvolvido por LUIZ ANTONIO SOARES HENTZ (“Direito de Empresa no Código Civil de 2002”, p 141 e segs., 2ª ed. Juarez de Oliveira, 2003)  apresenta discussão sobre se  seriam “sociedade” ou uma “forma singular de empresa” e onde se sustenta inclusive seriam melhor enquadradas como “associação de fins econômicos”, com base na lei n° 5.764/71 que diz que as cooperativas têm forma e natureza jurídicas próprias e na ressalva feita à lei especial (art. 1.093).  Tal pensamento deixa claro que o Autor acrescenta ao art. 53 do Código Civil elementos doutrinários, tais como o esposado por PONTES DE MIRANDA ao definir “associação” conferindo a esta elemento “corporativo” (cf. subitem 4.3), o que é importante ao menos como incentivo ao aprofundamento do tema.

 

Diz SÍLVIO DE SALVO VENOSA (ob. Cit. p.cit.) quanto à subsistência das sociedades comerciais e civis sob a forma atual de sociedades empresárias e simples respecivamente:

 

“Embora a linha divisória do Direito Civil e do Direito Comercial mostre-se cada vez mais tênue, mormente com o novo Código Civil, nosso sistema acolhe a distinção de sociedades mercantis e sociedades civis, conforme a finalidade a que se propõem.  Nas sociedades comerciais, necessariamente, haverá um patrimônio e finalidade lucrativa.  Em nosso ordenamento, apenas as sociedades comerciais sujeitam-se à concordata e à falência.  As sociedades civis subordinam-se aos princípios de insolvência do CPC.

 

(…)

 

Quanto às sociedades ditas empresárias, nova denominação das sociedades mercantis, na sociedade em nome coletivo, todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais (art. 315 e 316 do Código Comercial; novo Código Civil, arts. 1.039 a 1.044).

 

(…)

 

(p.330) Quanto às sociedades civis, denominadas “sociedades simples” no novo Código Civil (arts. 997 ss), sem perfeita similitude, que ora nos interessam, podem revestir-se das modalidades mercantis, segundo o art. 1.364 do antigo Código, com exceção da Sociedade anônima, como vimos, pois esta, qualquer que seja seu objeto, terá sempre natureza mercantil.”

 

 

RICARDO FIÚZA (“Novo Código Civil Comentado”, diversos colaboradores,  comentado dos arts. 966 a 1.195 pelo próprio organizador RICARDO FIÚZA, p. 888/889, 1ª ed., SARAIVA, 2003), sustenta que a norma do art. 982 vem instituir uma nova divisão entre as formas societárias até então definidas pelo direito privado brasileiro e conclui:

 

“Se adotarmos um paralelismo simétrico, a antiga sociedade comercial passou a ser denominada sociedade empresária, enquanto a sociedade civil, regulada  pelo Código de 1916, passou a ser definida como sociedade simples.”

 

Necessário notar que do texto não se pode concluir que o autor estivesse se referindo às antigas “sociedades civis sem fins lucrativos”  e sim às “sociedades civis com fins lucrativos” e que, de qualquer forma, não é correta a afirmação feita, pois não há no novo Código Civil nenhuma regra que assim disponha e o referido enquadramento (das antigas sociedades civis como sociedades simples) pode, ou não, ocorrer.

 

Por outro lado, também importa ressaltar, em apoio dos que sustentam a tese de que as sociedades simples podem em alguns casos estar a substituir as sociedades civis do Código Civil de 1916 (no caso as entidades abertas de previdência complementar sem fins lucrativos seriam sociedades simples sui generis),  que o art. 1.150 do Código Civil de 2002 dispõe que as sociedades simples vinculam-se ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas e as empresárias ao Registro Público de empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, o que dá ensejo a elocubrações, pois se fosse de interesse da lei acabar totalmente com as antigas distinções (civis e comerciais) em ordem a permanecerem apenas as novas (sociedades simples e empresárias)  deveria ao menos ter mudado o nome dos Registros Públicos (para registro de sociedades empresárias e registro de sociedades simples, respectivamente), como o fez quanto a regulação do “nome empresarial” nos arts. 1.1554 a 1.168. 

 

Válido acrescer, também, que o art. 970 prevê que as “microempresas” serão reguladas por leis especiais, com o que, os tipos societários apresentados não são exaustivos e comportam “sociedades atípicas”, como as previstas pela Lei Complementar n° 109/01 e demais normas que lhe integram o § 1° do art. 77.

 

SÉRGIO CAMPINHO (“O Direito de Empresa”, p. 33 a 38, Ed. Renovar, 4ª Ed., 2004),  enfatiza a distinção entre “associação e sociedade no novo Código Civil”  tendo o “fim não-lucrativo” daquela como elemento diferenciador – o que refutamos no item 4.3 por insuficiente a tanto (“reunião de amigos organizada com objetivo de tomarem chá à tarde” não tem fim lucrativos e não é contrato de “associação”) e, em fls. 38,  manifesta-se de maneira a contribuir – em parte – para a tese dos que defendem que as entidades abertas de previdência complementar sem fins lucrativos seriam “sociedades sui generis” e não “associações sui generis”, com dizer:

 

“A sociedade simples, segundo o perfil legislativo que lhe foi destinado, empreende atividades econômicas específicas.  O ordenamento jurídico positivo é que lhe reserva o objeto.

 

Algumas das antigas sociedades civis com fins econômicos se enquadram como sociedades simples, por força, repita-se, de reserva expressa do ordenamento jurídico positivo.

 

Afirmamos que só em parte pode se usar o que afirmado por SÉRGIO CAMPINHO, pois que na menção feita está consignado “antigas sociedades civis com fins econômicos”  e as entidades a que nos referimos não têm fins econômicos.

 

No mesmo sentido, podendo-se usar somente com reservas o raciocínio, MARINO PAZZAGLINI FILHO e ANDREA DI FUCCIO CATANESE (“Direito de Empresa no Novo Código Civil”, p. 12 e 22, Ed. Atlas S.A., 2003)

 

“(p. 12, in fine)…Cumpre, neste prelúdio, salientar que o NCC desconsiderou a classificação tradicional de sociedades civis e mercantis, conceituando e regulamentando as sociedades em duas categorias amplas:  sociedades simples, que englobam as ex-sociedades civis, e sociedades empresárias, que compreendem as remanescentes sociedades mercantis ou comerciais. (…)

 

(p. 22, in fine) As sociedades, que serão objeto aprofundado de nosso estudo, ao contrário das outras pessoas de direito privado examinadas, dedicam-se a atividades de cunho lucrativo e, diante da natureza dessas atividades, desdobram-se em duas categorias fundamentais:  “Sociedades simples – Desempenham atividades civis (ex-sociedades civis). Sociedades empresárias – Desempenham, em geral, atividades de caráter empresarial (ex-sociedades comerciais)”

 

JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA (“Direito Societário”, p. 7, Ed. Renovar, 8ª ed., 2003), após fazer distinção entre associação e sociedade faz a seguinte afirmação gratuita, que depois tecnicamente se apressa a desfazer:

 

“A sociedade bifurca-se, quanto à natureza da atividade desenvolvida, em duas subespécies, quais sejam a sociedade simples e a sociedade empresária, as quais, por força do novo Código Civil, substituem a antiga nomenclatura, que compreendia a sociedade civil e a sociedade comercial.”

 

 

O posicionamento de quem sustenta, apenas para resolver questão secundária, que as entidades abertas de previdência privada sem fins lucrativos sejam “sociedades simples sui generis” apesar das razões em que se fundamentam, não é por nós de todo compartido justamente pela “ausência de finalidade lucrativa”, o que é elemento de qualquer “sociedade” pela nova conceituação do Código Civil de 2002.  Curvamo-nos, porém, à interpretação que tenha por associação apenas às pessoas jurídicas que atendam ao art. 53 e seguintes e que não tenham por “atividade principal” uma “atividade essencialmente econômica”, caso em que, por exclusão, teriam as entidades de previdência privada sem fins lucrativos de serem classificadas como “sociedades simples, especiais, sem fins lucrativos” – onde os participantes seriam meros contratantes.  Isso, porém, é questão, como afirmado secundária, pois o que importa é a total desnecessidade de atendimento ao art. 2.031 do Código Civil de 2002.

Concluímos este subitem com a lembrança de que, mesmo que se adote a tese de que associações não podem ter “atividade econômica” como objeto principal (pela ausência de “atividade econômica” no art. 53 do Código Civil de 2002), caso em que teríamos de ter “sociedades simples sem fins lucrativos”, esta construção é completamente subjetiva, pois que o novo Código Civil, ao contrário do anterior, prevê no art. 981 que as sociedades terão de ter por finalidade a divisão de resultados entre os sócios (finalidade lucrativa), o que teria de ser desatendido.  O enquadramento, pois, não será perfeito, embora atenda aos métodos de interpretação científica.

4.5.1 –         POSSIBILIDADE APENAS SE ENQUADRADAS COMO

          “SOCIEDADES SIMPLES, ESPECIAIS, SEM FINS LUCRATIVOS”,

REGIDAS POR LEI ESPECIAL

 

 

Como afirmamos no item 4.3, no novo Código Civil, nada obstante os doutrinadores tenham se manifestado – em sua maioria – pela distinção baseada em apenas em fins econômicos ou não-econômicos ao definirem as “associações”, haverá dúvidas quanto à classificação das entidades de previdência privada, pelos elementos que possuem e que as caracterizam em parte como associações (“ausência de finalidade lucrativa”) e em parte como sociedades (“atividade econômica”).

 

Não basta, repetimos,  a leitura do art. 53 do Código Civil de 2002, como pensa SÉRGIO CAMPINHO, para se definir o que seja “associação”, pois que a união de pessoas, v.g., que se organizem para tomar chá à tarde (fim não econômico) terá preenchido o caput do referido artigo sem caracterizar o contrato de “associação”.

 

 Os elementos que constituem a “associação”, tais como a “ausência de reciprocidade” (parágrafo único do art. 53), e o fato de o caput do art. 53 não mencionar “atividade econômica”, certamente, serão de grande importância quando tiverem os contornos definidos pelo Superior Tribunal de Justiça, para que se ponha fim às divergências doutrinárias.  Pode ser, que, ante o que dispõem os art. 53 e 981, haja evolução doutrinária e jurisprudencial no sentido de que sejam tidas por “associações” apenas as que além da ausência de finalidade lucrativa também não tenham como objeto principal  “atividade econômica”.   Neste caso seguro e previdência, por serem essencialmente “atividade econômica”, não poderiam ser objeto de “associação” e sim de “sociedade” que, no caso, seria “sociedade simples, especial, por sem fins lucrativos”. 

Doutrinamos, no parecer ora revisto, que as “entidades abertas de previdência privada sem fins lucrativos” são “associações especiais” e assim o fizemos tomados apenas pela “ausência de finalidade lucrativa” das referidas entidades e para aproximar da terminologia do Código Civil de 2002, porém, o raciocínio suso transcrito, pela lógica, também nos agrada e entendemos possam ser tidas por “sociedades especiais sem fins lucrativos” sem agressão ao texto legal.   Isso, porém,  desde que adotada a tese de que somente pode ser tida por associação a pessoa jurídica que não tenha como atividade principal “atividade econômica”.  Neste caso, somente as pessoas jurídicas que, além da ausência de finalidade lucrativa, também não possuíssem como atividade principal “atividade econômica” é que poderiam ser tidas como “associação”.

 

Pelo exposto, somente poderiam ser tidas por “associações as pessoas jurídicas sem fins lucrativos, “pias, morais, artísticas e beneficentes”, que também não tenham por objeto a prestação de atividade considerada como essencialmente econômica.

 

Logo, até o objeto “artístico” e a ausência de lucro não pode caracterizar determinada pessoa jurídica como “associação”, seria de mister, outrossim, que não fosse feita referida “associação” exclusivamente para apresentação remunerada de seus associados, nada obstante possa praticar atividade econômica para se manter.

 

5 –                   PORTARIA SPC N° 2, DE 8 DE JANEIRO DE 2004

      DA SECRETARIA DE PREVIDÊNCIA   COMPLEMENTAR

QUANTO ÀS ENTIDADES FECHADAS

 

Após havermos nos pronunciado no parecer de setembro de 2003, que ora curamos de atualizar, foram emitidos pareceres de alguns juristas, entre os quais o PARECER JURÍDICO GAB/SPC N° 0000/03, do Doutor MAURÍCIO CORRÊA SETTE TÔRRES, Assessor Especial do Gabinete, o qual tivemos acesso pela internet, e já mencionado no item 4.5, e que, com sustentar não ser aplicável às entidades fechadas o novo Código Civil de 2002, por serem, segundo seu entendimento “sociedades civis especiais” regidas por lei complementar, sobre esclarecer que teriam correspondência nas sociedades simples do referido Código, deu ensejo à publicação da Portaria da Secretaria de Previdência Complementar n° 02/04.  Diz o jurista em trechos de seu parecer, verbis:

 

“…(IV) as EFPC desempenham atividade econômica, compreendida pela organização destinada à produção ou a circulação de bens ou serviços, utilizando-se dos resultados da exploração desta atividade para o financiamento de seus planos de benefícios, servindo para assegurar a formação das reservas destinadas à cobertura dos compromissos atuariais contratados com os participantes;

(V) não se admite a constituição de EFPC sob a forma de associação, diante das características que cercam esta modalidade de pessoa jurídica de direito privado, seja diante dos preceitos constitucionais que impedem a interferência do Estado na sua constituição e funcionamento, e rezam sobre a forma de sua dissolução, ou aqueles outros trazidos pelo novo Código Civil, todos em total contraposição à disciplina estabelecida pelas Leis Complementares n.° 108 e 109, de 2001; seja pelo fato de que desenvolvem os fundos de pensão atividade econômica;

(VI) considerando as especificidades que guardam as atividades desempenhadas pelas entidades fechadas de previdência complementar, e considerando a especialidade da legislação que reza sobre sua constituição e funcionamento, a aplicação do novo Código Civil, em especial das regras que disciplinam as sociedades, não lhes pode incidir, sob pena de afrontar as normas especiais (Leis Complementares n.° 108 e 109) ou os próprios fundamentos deste específico sistema jurídico;

(VII) o novo Código Civil não altera a forma pela qual são constituídas as entidades fechadas de previdência complementar, que, regidas por legislação própria, poderão continuar sendo instituídas como fundações e sociedades de previdência complementar (ou privada); e

(VIII) a reserva constitucional à disciplina do regime de previdência privada por meio de lei complementar (e eventual hierarquia deste tipo normativo em relação ao Código Civil), a especialidade da legislação que lhes é aplicável e a proteção constitucional ao ato jurídico perfeito impedem a imposição de alteração quanto à constituição e funcionamento das entidades fechadas de previdência complementar instituídas regularmente sob a vigência das normas anteriores ou do novo Código Civil.”(g.n.)

 

Com esses fundamentos, e no exercício da competência que lhe foi outorgada pela Lei Complementar n° 109/01, a Secretaria de Previdência Complementar baixou a Portaria n o 2, de 8 de janeiro de 2004, que “dispõe sobre os Estatutos das Entidades Fechadas de Previdência Complementar em face do Art. 2.031 da Lei n° 10.406, de 10 de Janeiro de 2002, Novo Código Civil”, e que  que afirma enfaticamente em seu art. 1°:

 

“As entidades fechadas de previdência complementar, regidas por lei complementar, não estão obrigadas a promover em seus estatutos as adaptações a que se refere o art. 2.031 da Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Novo Código Civil).”(grifado)

 

 Como já se disse cima, a Lei Complementar n° 109, encerra disposições comuns aos dois tipos de entidades sem fins lucrativos (abertas e fechadas), o que afirmado na Portaria SPC n° 2/01, que entre os seus fundamentos destacou:

 

“Considerando que a Lei Complementar n.° 109, de 29 de maio de 2001, “dispõe sobre o Regime de Previdência Complementar e dá outras providências”, de modo que a disciplina exigida pela norma constitucional já existe;

Considerando o disposto no art. 74 da Lei Complementar n.° 109, de 2001, segundo o qual as funções de órgão fiscalizador das entidades fechadas de previdência complementar são desempenhadas pela Secretaria de Previdência Complementar do Ministério da Previdência Social;”

 

Outrossim, outros argumentos são arrolados no mesmo documento e encontram,  correspondência em outros dispositivos da LC n° 109/01, pertinentes às entidades abertas sem fins lucrativos, entre os quais se destacam:

 

“Considerando que o art. 31, § 1° da Lei Complementar n. ° 109, de 2001, estabelece que as entidades fechadas de previdência complementar “organizar-se-ão sob a forma de fundação ou sociedade civil, sem fins lucrativos”; (correspondente aos Art. 36 e Art. 77)(g.n.)

“Considerando que o art. 33, inciso I da Lei Complementar n.° 109, de 2001, estabelece que dependerão de prévia e expressa autorização do órgão regulador e fiscalizador “a constituição e o funcionamento da entidade fechada, bem como a aplicação dos respectivos estatutos (…) e suas alterações”, atribuindo à Secretaria de Previdência Complementar a competência para aprovar alterações nos estatutos das entidades fechadas de previdência complementar.” (correspondente ao Art. 38, I). (g.n.)

 

 

 

6 – CONCLUSÃO:

 

Na legislação vigente até a publicação do Código Civil de 2002 não havia distinção legal e nem mesmo doutrinária, porquanto a doutrina se dividia quanto a isso, entre “associação” e “sociedade civil” (cf. subitem 3.1), apenas havendo esboço no sentido de se utilizar o termo “associação” para as “sociedades civis sem fins lucrativos” – tal como adotado pela Lei n° 6.435/77 (arts. 1° e 85) e Decreto n° 81.402/78 (vide arts. 4°, § 3°, II c/c art. 14, “b”). Todavia, nem o Código Civil nem o Código Comercial fizeram expressamente tal distinção, tendo este último, inclusive, utilizado o termo “associação” para definir “sociedade comercial” em diversos artigos (Cf.: arts. 290, 291, 305 n ° 5, 311, 319 e 325), o que fez com que algumas entidades de previdência sem fins lucrativos adotassem o termo “associação” em suas denominações (“Associação Previdenciária…”) e outras o termo “sociedade”.

 

As sociedades de seguro mútuo, previstas no art. 1.466 do Código Civil de 1916, também chamadas de  “Mútuas”, “sociedades de Montepio” ou simplesmente de “Montepios”, a partir da Lei n° 6.435/77 passaram a ser denominadas de “entidades abertas de previdência privada sem fins lucrativos” sem que, com isso, houvesse-lhes sido alterada a natureza jurídica. Continuaram, pois, a ser “seguradoras”, organizadas sob a forma de “sociedades civis especiais” (ou “associações especiais” de acordo com a tese que preferir o intérprete) mesmo depois da Lei n° 6435/77 e mesmo depois da Lei Complementar n° 109/01. (cf. Item 2 e subitens)

 

ARNOLDO WALD ao definir o contrato de previdência privada sustenta ser esse um “seguro sui generis”, o que endossa todos os argumentos aqui esposados, no que é seguido por MANOEL PÓVOAS, entre outros, e por julgados de nossos tribunais entre os quais o da 1ª Câmara Cível do TJRJ na Apelação Cível n° 1335/2002.

 

Há, outrossim, a ratificar a tese de que o contrato de previdência privada é típico contrato de seguro,   precedente do Supremo Tribunal Federal no  RE n° 115.308-3/RJ, que teve por Relator o Ministro NÉRI DA SILVEIRA, em caso pertinente à empresa de Medicina de Grupo que cobrava de seus clientes sob a forma de pré-pagamento, onde se afirma que “a empresa que se obriga

indenizar o associado ou cliente do prejuízo resultante de riscos futuros, previstos no contrato, preenche, integralmente, a definição legal, doutrinária e jurisprudencial de contrato de seguro” o que é exatamente o caso das entidades de previdência privada (abertas ou fechadas).

 

A Lei Complementar n° 109/01, que é lei complementar e não pode ser alterada por lei ordinária ante o que disposto no art. 59 c/c inciso II do art. 192 (antes da Emenda Constitucional n° 40/03) e art. 202 da Constituição Federal, dispôs que “no caso das entidades abertas sem fins lucrativos já autorizadas a funcionar, é permitida a manutenção de sua organização jurídica como sociedade civil”. (§ 1° do art. 77).

 

A organização e constituição das entidades abertas de previdência privada sem fins lucrativos como “sociedades civis especiais” eram dadas pelos arts. 5°, 11 a 13 e especialmente 30 da Lei 6.435/77 e pelos arts. 4°, 14 a 21 e especialmente 38 do Decreto n° 81.402/78 sendo que referidos artigos têm de ter sido necessariamente integrados ao § 1° do art. 77 da Lc n° 109/01 que fez remissão à legislação anterior vigente, quando permitiu que as entidades abertas sem fins lucrativos mantivessem a organização como sociedades civis. 

 

A Lei Complementar n° 109/01 permite se extraia de seu próprio texto regra autêntica de interpretação que valida a tese de “derrogação” e não “ab-rogação” da Lei n° 6.435/77, pois que em seu art. 36 diz que as entidades abertas podem ser constituídas unicamente sob a forma de sociedades anônimas e o advérbio “unicamente” aí, a princípio, equivaleria a negativa total de incidência de qualquer outra norma que permitisse meio de organização diverso, o que, no entanto, foi ressalvado pelo § 1° do art. 77 da  própria Lc n° 109/01. Ora, a mesma possibilidade de ressalva feita pelo § 1° do art. 77 da Lc n° 109/01  à redação enfática do art. 36 pode e deve ser estendida à do art. 79.

 

A revogação da Lei n° 6.435/77 pelo art. 79 da nova Lc n° 109/01 deve ser lida, pois, como “derrogação”, tese essa que encontra apoio nas lições de EDUARDO ESPÍNOLA e SAREDO entre outros. (cf. subitem 2.4.3)

 

A doutrina, entre os quais podem-se citar HELLY LOPES MEIRELLES, PAULO LACERDA e SÉRGIO FERRAZ, sustenta que o decreto regulamentador de lei que foi revogada por lei posterior continua a viger e com eficácia se compatível com esta. (cf. subitem 2.4.4)

 

O Decreto n° 81.402/78, que é decreto regulamentador da Lei n° 6.435/77, pois, continua em vigor no que for compatível com a nova Lei Complementar n° 109/01, principalmente os seus artigos 14 a 21 e 38, por expressa permissão dada pelo art. 77, § 1° da Lc n° 109/01. O que implica considerarem-se as entidades abertas de previdência privada sem fins lucrativos “associações ou sociedades sui generis”, regidas pelos arts. 4°, 14 a 21 e 38 do Decreto 81.402/78 e 1.123 do Código Civil de 2002 (este por ser aplicável a estas entidades abertas de previdência complementar, subsidiariamente, a legislação de seguros – Cf.: art. 73, da Lc 109/01; independentemente de se considerarem as entidades sem fins como “sociedades” pela nova terminologia adotada pelo Código de 2002 em seu art. 981).

 

A integração ao texto da Lei Complementar n° 109/01 faz com que os artigos da Lei n° 6.435/77 e Decreto n° 81.402/78 que tratam da organização das entidades abertas de previdência complementar sem fins lucrativos como “sociedades civis” (“especiais”) tenham de ser lidos como se fizessem um único corpo com a lei complementar, adquirindo eficácia de lei complementar e somente podendo ser revogados por lei de igual hierarquia que revogue expressamente a Lc n° 109/01. Nesse sentido PONTES DE MIRANDA esclarece que o decreto que teve os assuntos que regulamentou dispostos em lei, não pode sequer ser  revogado pelo Poder Executivo.(cf. subitem 2.4.5)

 

Por este motivo, está correta e perfeitamente legal a Resolução CNSP n° 53/01 que permitiu que as entidades abertas de previdência complementar sem fins lucrativos continuassem organizadas na forma da Lei n° 6.435/77, resolução essa que não poderá ser modificada quanto a isso, sob pena de ilegalidade e nulidade.

 

A Lei de Sociedades Anônimas é inaplicável às entidades abertas de previdência complementar sem fins lucrativos, pois que o seu art. 2° determina que as sociedades anônimas têm de ter fins lucrativos.

 

A tentativa de juntar  fatos dessemelhantes e que possuem hipótese de incidência diferentes para justificar pensamento isolado não pode ser tida como regra de interpretação científica, assim é que a mencionada modificação da lei de sociedades anônimas que, aparentemente, alterou também a organização das entidades abertas com fins lucrativos, não pode ser usada em apoio a tese de possibilidade de modificação da estrutura das entidades abertas sem fins 

lucrativos pelo novoCódigo Civil, pois que estas possuem, ao contrário daquelas, dispositivos próprios baixados em lei complementar específica que determina que se mantenham como estão.  Da mesma forma, ninguém ainda teve a ousadia de sustentar que as entidades fechadas, que são sem fins lucrativos, devem desconsiderar o que disposto no § 6° do art. 202 da Constituição Federal, que dá regras especiais quanto à eleição de diretoria – remetendo para lei complementar, e obedecer apenas ao Código Civil, quanto à eleição de diretoria.

 

A própria Lei Complementar 109/01 é que permite às entidades com fins lucrativos que sofram as “alterações” posteriores referentes às alterações na Lei de Sociedades Anônimas, quando determina que  se organizem como tais;   às entidades abertas sem fins lucrativos, no entanto,  é autorizado pela Lei Complementar n° 109/01 que se mantenham organizadas como estão, id est, na forma da Lei n° 6.435/77 e Decreto n° 81.402/78, razão por que não podem sofrer qualquer modificação dada por lei geral posterior que não lhes diga respeito direto.

 

Não se pode, pois, ter por como aplicáveis as mesmas regras a substratos fáticos dessemelhantes e que possuem hipótese de incidência diversa.

 

No caso das entidades sem fins lucrativos, em especial quanto ao ponto polêmico, que é a existência de “associados controladores”  e “simples participantes de planos previdenciários”, ficou clara a existência de “lei complementar específica sobre o assunto”, pela integração feita aos artigos da Lei n° 6.435/77 (art. 30) e Decreto n° 81.402/78 (art. 38) pelo § 1° do art. 77 da Lei Complementar n° 109/01.

 

Por certo, quanto a isso, se entre as alterações feitas na Lei das Sociedades Anônimas viesse uma em especial que dispusesse que “sociedades constituídas sob a forma daquela lei (S.A.) não poderiam ser fiscalizadas se não pelo Ministério Público”, o Órgão Fiscalizador que é a SUSEP não abriria mão de suas prerrogativas, direitos e atribuições dados pelo art. 74 da Lei Complementar n° 109/01, e, de pronto, argüiria, como o fazem as entidades abertas sem fins lucrativos, que lei geral ordinária não pode revogar lei complementar e específica em assunto próprio à lei complementar.

 

O plano previdenciário é tipo especial de seguro, o que se confirma pela decisão do Supremo Tribunal Federal no RE 115.308-3/RJ (no item 2 do presente), razão pela qual incide o disposto no art. 777 do Código Civil de 2002, o qual prevê que o disposto naquele capítulo (pertinente a seguro) somente é aplicável no que couber ao seguro regido por lei própria.(cf. subitem 4.2 acima)

 

A Lei de Introdução ao Código Civil, dispõe em seu art. 2° que a lei posterior geral não revoga a lei anterior especial e mesmo lei especial posterior convive com a lei especial anterior naquilo que compatível (§ 2°), razão por que se tem de ter por vigente o disposto no § 1° do art. 77 da Lc 109/01, regulado pelo Decreto n° 81.402/78.

 

As características específicas das entidades de previdência privada sem fins lucrativos demonstram que a legislação acompanhou a evolução social, ao impedir a obrigatoriedade de se realizar, v.g., “assembléia onde participariam um milhão de associados” (nos casos das entidades que chegaram a este número de participantes). A legislação de previdência privada (Lei Complementar n° 109/01, Lei n° 6.435/77 e Decreto n° 81.402/78) é, pois, a “legislação própria ou especial” a que se referem os art. 777, 1.123 e 2033 do Código Civil de 2002, no capítulo pertinente ao “contrato de seguro”, “sociedades autorizadas a funcionar” e “disposições finais” respectivamente.

 

Em que pese a já afirmada inexistência de diferença legal entre “sociedade” e “associação” até o novo Código Civil de 2002 havia, no entanto, distinção entre “fim ou intuito econômico” que equivalia a “fim ou intuito lucrativo” e “atividade econômica”, de maneira que as sociedades sem fins econômicos (ou associações sem fins econômicos) podiam ter atividade econômica. J.M. CARVALHO SANTOS, lembra o exemplo da associação sem fins econômicos composta de músicos cuja “orquestra” se apresenta e cobra ingressos (atividade econômica) para mantê-la.

 

No novo Código Civil, nada obstante os doutrinadores tenham se manifestado – em sua maioria – pela distinção baseada apenas em “fins econômicos” ou “não-econômicos” ao definirem as “associações”, haverá dúvidas quanto à classificação das entidades de previdência privada, pelos elementos que possuem e que as caracterizam em parte como associações (“ausência de finalidade lucrativa”) e em parte como sociedades (“atividade econômica”).

 

Não basta a leitura do art. 53 do Código Civil de 2002, como pensa SÉRGIO CAMPINHO (cf. subitens 4.3 e seguintes, supra.), para se 

definir o que seja “associação”, pois que, e.g., “a reunião de amigos que se organizem para tomar chá à tarde” (fim não econômico) terá preenchido o caput do referido artigo sem caracterizar o contrato de “associação”.

 

 Os elementos que constituem a “associação”, tais como a “ausência de reciprocidade” (parágrafo único do art. 53), e o fato de o caput do art. 53 não mencionar “atividade econômica”, certamente, serão de grande importância quando tiverem os contornos definidos pelo Superior Tribunal de Justiça, para que se ponha fim às divergências doutrinárias.

 

 Pode ser que, ante o que dispõem os art. 53 e 981, sejam tidas por “associações” apenas as que além da ausência de finalidade lucrativa também não tenham como objeto principal  “atividade econômica”.   Neste caso seguro e previdência, por serem essencialmente “atividade econômica”, não poderiam ser objeto principal de “associação” e sim de “sociedade” que, no caso em estudo, de entidade aberta sem fins lucrativos seria “sociedade simples, especial,  sem fins lucrativos”. 

 

Defendemos, no parecer de 15-9-03 – que ora curamos de atualizar, que as “entidades abertas de previdência privada sem fins lucrativos” são “associações especiais” (cf. subitem 4.4.5 supra) e assim o fizemos tomados apenas pela “ausência de finalidade lucrativa” das referidas entidades e para aproximar da terminologia do Código Civil de 2002, porém, o raciocínio suso transcrito, pela lógica, também nos agrada e entendemos possam ser tidas as entidades abertas de previdência privada sem fins lucrativos como “sociedades simples,  especiais, sem fins lucrativos” sem agressão ao texto legal, pelo contrário, por interpretação científica, todavia não estamos ser correto o raciocínio de que as “antigas sociedades civis”  são as atuais “sociedades simples” (cf. subitens 4.3 e seguintes, supra.).

 

Correto, neste ponto, FÁBIO ULHOA COELHO, ao enfatizar a necessidade da doutrina na distinção entre “associação”  e “sociedade”, talvez apenas com excesso por sustentar inexistência de distinção legal.

 

Outros doutrinadores insistem na sustentação de que as “sociedades civis do antigo Código Civil de 1916” foram substituídas pelas “sociedades simples” do novo Código Civil de 2002, ou pelo menos fazem essa afirmação gratuitamente, entre os quais RICARDO FIÚZA, SÉRGIO CAMPINHO, MARINO PAZZAGLINI FILHO e ANDREA DI FUCCIO CATANESE (cf. subitem 4.3 supra.). Tal fato ensejou a construção da tese de que as entidades de previdência privada sem fins lucrativos seriam “sociedades simples especiais” pelas regras que lhe são próprias quanto aos direitos e obrigações dos “sócios controladores e dos sócios que forem simples participantes”, tanto quanto as “sociedades de advogados”, v.g., são consideradas doutrinariamente “sociedades simples” e, no entanto possuem a singularidade (são especiais nesse aspecto) de serem registradas apenas na Ordem dos Advogados do Brasil, consoante art. 15 da Lei n° 8.906/94, não incidindo pois o art. 998 do Código Civil de 2002 que é genérico ante o dispositivo específico do Estatuto da OAB.

 

A atipicidade societária, baseada na autonomia contratual e na necessidade de garantia da livre atividade negocial (art. 170 da CF), é permitida no direito brasileiro, com algumas restrições pertinentes às especificidades do direito societário, como sustentam NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, baseados em lição de AURELIO MORELLO, PAOLO SPADA, e RACHEL SZTAJN, o que aumenta ainda mais a dificuldade na classificação das entidades de previdência privada como “sociedades especiais” ou “associações especiais”.

 

MODESTO CARVALHOSA, ao analisar o art. 1.123 do novo Código Civil (Lei n° 10.406/02), que trata das “sociedades que necessitam de autorização”, e que dispõe que serão regidas por aquele título e pela “legislação específica”, diz que entre estas sociedades autorizadas a funcionar estão as seguradoras. Como as entidades de previdência complementar sem fins lucrativos são “seguradoras lato sensu” (antigas sociedades de mútuo do art. 1.466 do Código Civil de 1916 – cf. item 2 supra), principalmente para quem as considera “sociedades especiais” pela terminologia dada pelo novo Código Civil, seria aplicável, a preceito, o referido artigo, que remete à legislação específica (Lei Complementar n° 109/01, Lei n° 6.435/77 e Decreto n° 81.402/78).

 

É de se notar que,  esse artigo 1.123 do Código Civil de 2002 somente menciona “sociedades que necessitam de autorização” para funcionar, e não “associações que necessitam de autorização…”.Todavia, a ratio legis inclina, in casu, pela interpretação de que se refere também às entidades abertas de previdência complementar sem fins lucrativos mesmo que se as tenha por “associações especiais” e, que não se inclinasse, o art. 73 da Lei Complementar n° 109/01 determina que as entidades abertas serão reguladas também, no que couber, pela legislação aplicável às sociedades seguradoras” o que obriga a incidência do art. 1.123.  Também, o inciso II, do art. 192 da Constituição Federal obrigava houvesse “autorização para funcionamento”, o que ratifica a incidência da regra do art. 1.123 às entidades de previdência complementar mesmo as sem fins lucrativos.

Em sendo “legislação específica de seguro”, a legislação de previdência privada, que permite a coexistência dos associados “controladores” com os “simples  participantes” (que somente participem dos planos previdenciários), com direitos e obrigações claramente dispostos em lei, não pode ser revogada por normas gerais existentes no Código Civil, em evidente retrocesso legislativo e com flagrante ofensa aos princípios mais comezinhos de hermenêutica, que o próprio Código preserva pela redação dos arts. 777, 1.123 e 2.033 entre outros.

 

Os dispositivos constitucionais (incisos XVII e XVIII do art. 5°) que dizem ser “plena a liberdade de associação  para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar” e que “a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento” são aplicáveis às associações e sociedades indistintamente, pois que os termos eram sinônimos até 2002 e a Carta Magna de 1988, nesse sentido PONTES DE MIRANDA e JOSÉ AFONSO SILVA (cf. subitem 4.4.1 supra), razão por que não procede o argumento de que as entidades de previdência privada sem fins lucrativos não podem ser consideradas como associações por terem aquelas de ter “autorização para funcionar” enquanto a estas é vedada a interferência estatal e desnecessária qualquer autorização. O que se autoriza ou se veda, com a necessária intervenção estatal nestes casos, não é nem a constituição nem o funcionamento das associações ou sociedades, mas sim exercício de determinada “atividade” de relevante interesse social.

 

Além dos argumentos acima, ainda que se tentasse impor a aplicação in totum do Capítulo pertinente à administração, lembramos que não é tão simples, pelo que disposto no art. 55 e 59, sustentar que todos os associados têm direito a voto.

 

A possibilidade de “eleição indireta” da diretoria é sustentada por MIGUEL REALE, ao analisar o disposto no art. 59 do Novo Código Civil, ao passo que o art. 55 permite a categoria de associados com vantagens especiais o que de todo não proíbe a existência de “associados controladores” que, em assembléia, designariam a diretoria, pois o direito de voto pode não ser outorgado a todos os membros, como sustentam PONTES DE MIRANDA, TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE, CARLOS FULGÊNCIO DA CUNHA PEIXOTO, WALDEMAR FERREIRA, FRANZ MARTINS e MODESTO CARVALHOSA entre outros doutrinadores (cf. subitens 4.4.2 e 4.4.3 supra) de não somenos importância que estudaram o “direito a voto” ante o que dispõe o direito positivo, mormente quanto à Lei das Sociedades Anônimas.

 

Ainda quanto ao “direito a voto”, o art. 55 do Código Civil de 2002 permite a existência de categorias de associados com vantagens especiais, sendo que vantagens podem ser pecuniárias ou políticas.

 

A Lei n° 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas) previu expressamente os dois tipos de vantagens, pecuniárias e políticas, ao outorgar às ações preferenciais, no art. 17, a preferência ou vantagem pecuniária que consiste no direito a dividendos no mínimo 10% (dez por cento) maiores do que os atribuídos às ações nominativas;  e, no art. 18, sob o título “VANTAGENS POLÍTICAS”, outorgou a “vantagem política”, quando dispôs que “O estatuto pode assegurar a uma ou mais classes de ações preferenciais o direito de eleger, em votação em separado, um ou mais membros dos órgãos de administração.”  Como o novo Código Civil de 2002 não explicou o que tem por “vantagens especiais”, ante o que já dispõe doutrina (CARLOS FULGÊNCIO DA CUNHA PEIXOTO e TRAJANO MIRANDA VALVERDE entre outros, cf. subitem 4.4.2 supra) e legislação sobre o assunto, forçoso é concluir que outorgou à cada associação o poder de, nos estatutos, disporem quais as vantagens “políticas e pecuniárias” que cada categoria de associado poderá ter, onde, mais uma vez, tem-se por possível a co-existência de “associados controladores” com vantagens políticas especiais (direito de voto) e de “associados participantes”, com vantagens pecuniárias especiais (crédito privilegiado em caso de liquidação da entidade).

 

 A supressão do direito de voto, longe de ser repulsiva ao direito brasileiro, foi legalmente adotada quanto à legislação das sociedades anônimas, Lei n° 6.404/76, que em seu art. 111 prevê que as ações preferenciais podem ter o direito de voto suprimido e que em seu art. 109 não arrolou o “direito de voto” como “direito essencial”.

 

Inclusive, o direito brasileiro inovou, ao retirar direito de voto às ações ordinárias ao portador, antes de a Lei n° 8.021 de 199  extinguir os títulos ao portador e revogar expressamente o art. 33 da Lei n° 6.404/76 que criara esse tipo de ação com vantagens especiais em razão da “forma”  e não da “classe”.

 

O direito brasileiro, no que segue o direito norte-americano, entende, pois, que o direito de voto é “direito contratual”, pode ser disposto pelas partes e suprimido.  Tal fato também é constatado no direito alemão, direito suíço, e direito italiano entre outros.

 

Nesse caso, a assembléia geral de associados previstas no art. 59 do novo Código Civil, mesmo em o tendo por aplicável integralmente às entidades abertas de previdência complementar sem fins lucrativos, o de que discordamos, poderá ser “assembléia geral todos os associados integrantes da categoria com vantagens políticas especiais (direito a voto)”. 

 

Não há defender que o Código Civil de 2002, sem nenhuma disposição expressa nesse sentido, tenha o “voto” como “direito essencial”, porquanto esse mesmo diploma quando desejou conceder direito a voto a todos os sócios expressamente o fez, como por exemplo com os sócios cooperados, cujo direito a voto está expressamente previsto no inciso VI, do art. 1.094; e, quando o desejou, também expressamente, vetou o voto de condômino inadimplente (art. 1.335, III). 

 

O trazer princípios de direito público, que somente podem ser usados para ilustrar relações privadas, com aproximar os conceitos de “voto” como instrumento da “democracia” com o “voto” oriundo de “contrato”, prejudica a correta compreensão da natureza jurídica deste último, pois em direito público quem deve ao Estado não fica impedido de exercer o direito de voto relativo à eleição dos representantes políticos, ao contrário do que dispõe o art. 1335, III, do Código Civil quanto ao voto do condômino.

 

Tem-se de ter muito cuidado, portanto, em não se trazer para o direito privado conceitos de direito público, sob color de “evitar abusos de poucos em detrimentos de muitos”, pois que em alguns casos a utilização desmedida desses mesmos princípios acarretará cortar por alguns contratos tais como os “aleatórios”, nos quais a prestação e contraprestação não são igualitárias sem que nunca jamais fossem tidos por inconstitucionais.

 

O Código Civil de 2002 podia  conceder a todos os acionistas de sociedades anônimas o direito de voto, e se isso fosse “direito essencial” certamente o teria feito, abstendo-se (art. 1.089), no entanto, de assim praticar e tendo permitido que as “sociedades anônimas” permaneçam regradas por lei que não confere a todos acionistas o direito de voto (cf. art. 111 da Lei n° 6.404/76),   permitiu a existência de sociedades sem que todos tivessem referido direito que, por isso mesmo, não pode ser tido por “direito essencial inerente a qualquer membro de sociedade ou associação” e o inciso III, do art. 1.335 atesta tal fato.

 

De jure condito o direito de votar, quanto a membro de sociedade ou associação,  no Brasil não é essencial e pode ser suprimido; e, de juro condendo, melhor que se outorgue por lei, sempre que tal se desejar (como feito com as cooperativas no inciso VI, do  art. 1.094 do Código Civil de 2002) a todos os sócios ou associados, sem tomar  a concessão de direito de voto a todos os membros indistintamente   por expressão de “direito constitucional à igualdade”, ou sem vingar o direito de voto a patamar de “princípio de ordem pública” – como o fazem França e Bélgica, pois tal fato tornaria inviável qualquer outra solução, talvez melhor, que se possa dar por lei ao problema dos “direitos das minorias” em contrato de direito privado de sociedade ou associação.

 

As entidades de previdência privada abertas sem fins lucrativos, pois, que tenham se constituído com observância do disposto na Lei n° 6.435/77 e do Decreto n° 81.402/78 não precisam alterar seus Estatutos (desde que enquadrados na legislação de previdência privada) para os adequar à Lei de Sociedades Anônimas nem às regras gerais pertinentes às associações previstas no Código Civil de 2002, ou seja, não precisam atender às determinações do art. 2.031 da Lei n° 10.406/02, porquanto são regidas por legislação específica e não estão sob a  incidência das normas gerais, ressalva essa inclusive expressamente feita pelo art. 2.033 do mesmo Código.

 

Se vingasse  a tese de que seria aplicável in totum as regras pertinentes às “associações” previstas no Código Civil de 2002, inclusive com a interpretação equivocada quanto ao que dizem os arts. 55 e 59, com exclusão das normas específicas (art. 77 da Lc 109/01 e Decreto n° 81.402/78), para ser coerente com o que ocorre com todos os tipos de “associações, fundações e sociedades” não se poderia considerar o “participante de plano previdenciário”, mero cliente que é, e ante o disposto no art. 30 da Lei n° 6.435/77 c/c art. 38 do Decreto n° 81.402/78, como “associado”.  Tal fato ocorre, inclusive, com os participantes de planos previdenciários das entidades fechadas constituídas sob a forma de “fundação” (art. 5° da Lei n° 6.435/77) – que não lhe são “associados” ou “sócios”, ao contrário dos que pertencem às entidades fechadas constituídas, tal como as abertas, como “sociedades civis sem fins lucrativos” previstas na Lei n° 6.435/77 (cf. subitem 4.4.4 supra).

 Nunca é demais lembrar que a tese exposta no item anterior, se vingar, acabará com a figura do “seguro mútuo”. Esse contrato de natureza  dúplice em que o “interessado ao contratar o seguro ao mesmo tempo se transforma em “segurado” e “associado” (ou “sócio”, segundo a interpretação a ser dada), que  estava prevista no art. 1.466 do Código Civil de 1916 – sem correspondente no atual – e foi depois transformado no “plano previdenciário”, com características especiais que a tese refuta.

 Logo, se não se podem considerar as entidades de previdência privada como “associações sui generis” ou “sociedades simples, especiais, sem fins lucrativos, para os fins de permanecerem as regras para eleição de diretoria; a fortiori, não se se pode considerar o mero cliente, simples “participante de plano previdenciário” como “associado sui generis” ou “sócio”, devendo na referida adaptação estatutária das entidades abertas de previdência privada sem fins lucrativos ser observada a extinção desse tipo de associado ou sócio, juntamente com o contrato de seguro mútuo cujas regras estariam sendo extintas também por quem se filiasse à tese aqui refutada.

 

É o que nos parece.

Rio de Janeiro, 15 de janeiro de 2004.

 

 

 

RODRIGO JOSÉ DE KÜHL E CARVALHO

Advogado no Rio de Janeiro – www.dekuhl.adv.br

Sócio Titular do De Kühl e Carvalho e Adv. Associados

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