Gavel on wooden table and Lawyer or Judge working with agreement in Courtroom theme

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA E HIPOTECA

Alienação Fiduciária:   Alternativa de Direito Real Mais Segura Que a Hipoteca?

 

Introdução

Durante bastos anos a hipoteca foi tida por direito real por excelência, sendo de larga utilização na garantia de dívidas, mormente por instituições financeiras.

Desde 1997, porém, com o advento do direito real de garantia conhecido por “alienação fiduciária” (trazido pela lei n° 9.514/97), juristas discutem as vantagens e desvantagens de se adotar este direito real, ou a hipoteca, para garantia de dívidas.

Sugestão de direito real de garantia imobiliária

 

 A Alienação fiduciária é, sem dúvida, direito real de garantia mais seguro que a hipoteca e de mais fácil utilização.

 

A alienação fiduciária sobre bem móvel infungível está regulada desde 1965, pela lei n° 4.728 (art. 66), posteriormente regulada pelo Decreto-lei 911/69 e derrogada pela lei n° 10.931/2004.

 

O Código Civil de 2002, por sua vê, regrou a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor (art. 1.361 e seguintes).

 

Somente em 1997, com a lei n° 9.514, que “Dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências”, expressamente se regulou a alienação fiduciária de bem imóvel.

 

A lei n° 9.514/97, expressamente,  afirma que a “alienação fiduciária de bem imóvel” é  “direito real”, tanto quanto a hipoteca, isso  em seu art. 17, que diz:

“Art. 17. As operações de financiamento imobiliário em geral poderão ser garantidas por:

        I – hipoteca;

                   (…)

        IV – alienação fiduciária de coisa imóvel.

        § 1º As garantias a que se referem os incisos II, III e IV deste artigo constituem direito real sobre os respectivos objetos.”

Os artigos 22 e seguintes da lei 9.514/97 regulam esta modalidade de direito real, que pode ser contratada por pessoa física ou jurídica, por instrumento público ou particular, o que de pronto demonstra  ser de utilização mais simples que a hipoteca, e bem mais segura. 

Argumentos a favor do direito real de garantia sugerido

 

1)   MAIOR SEGURANÇA – CREDOR PROPRIETÁRIO

 

A maior segurança que oferece a “alienação fiduciária”, quando comparada com a hipoteca, diz com o fato de que enquanto na hipoteca o bem fica em nome do devedor/proprietário do imóvel, na alienação fiduciária o bem é transferido para o credor fiduciário, como se depreende do art. 22 da lei n° 9.514/97, que diz:

 

Art. 22. A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel. (grifou-se)

 

Antes da atual lei de falências (lei n° 11.101/05), que concedeu flagrante melhoria aos direitos do credor hipotecário, em caso de insolvência do devedor o credor hipotecário corria o risco de ver o seu débito não pago, pela precedência de outros créditos privilegiados sobre os bens da massa falida. 

 

Ainda assim, em que pese a melhoria trazida pela nova lei, o credor hipotecário ainda tem de ver o bem dado em garantia integrar a massa falida;  já o credor fiduciário, no caso de falência do devedor, não corre o risco de perder o imóvel objeto da garantia por força de dispositivos expressos constantes da lei n° 11.101/05, entre os quais o art. 85, que diz:

Art. 85. O proprietário de bem arrecadado no processo de falência ou que se encontre em poder do devedor na data da decretação da falência poderá pedir sua restituição. (grifou-se)

2)     POSSIBILIDADE DE O CREDOR FICAR COM O BEM ALIENADO FIDUCIARIAMENTE

Segundo o disposto no art. 26 da lei n° 9.514/97, vencida e não paga a dívida e constituído em mora o devedor, a propriedade se consolidará em nome do credor fiduciário.

No entanto,  esta “consolidação” vem com exigências – em especial a do § 4°, do art 27 da lei n° 9.514/97, ou seja, deverá o credor fiduciário, fazer leilão do imóvel, para

  Art. 27. Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel.

        § 1º Se, no primeiro público leilão, o maior lance oferecido for inferior ao valor do imóvel, estipulado na forma do inciso VI do art. 24, será realizado o segundo leilão, nos quinze dias seguintes.

        § 2º No segundo leilão, será aceito o maior lance oferecido, desde que igual ou superior ao valor da dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais.

§ 3º Para os fins do disposto neste artigo, entende-se por:

        I – dívida: o saldo devedor da operação de alienação fiduciária, na data do leilão, nele incluídos os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais;

        II – despesas: a soma das importâncias correspondentes aos encargos e custas de intimação e as necessárias à realização do público leilão, nestas compreendidas as relativas aos anúncios e à comissão do leiloeiro.

        § 4º Nos cinco dias que se seguirem à venda do imóvel no leilão, o credor entregará ao devedor a importância que sobejar, considerando-se nela compreendido o valor da indenização de benfeitorias, depois de deduzidos os valores da dívida e das despesas e encargos de que tratam os §§ 2º e 3º, fato esse que importará em recíproca quitação, não se aplicando o disposto na parte final do art. 516 do Código Civil.

        § 5º Se, no segundo leilão, o maior lance oferecido não for igual ou superior ao valor referido no § 2º, considerar-se-á extinta a dívida e exonerado o credor da obrigação de que trata o § 4º.

        § 6º Na hipótese de que trata o parágrafo anterior, o credor, no prazo de cinco dias a contar da data do segundo leilão, dará ao devedor quitação da dívida, mediante termo próprio.

Assim, de acordo com o § 4° do art. 27, o credor fiduciário não está ainda livre de obstáculos ao pleno exercício da propriedade nada obstante se diga que teve a “propriedade consolidada”, porquanto terá de promover leilão e devolver o que sobejar ao pagamento da dívida ao devedor fiduciante.

Somente após dois leilões negativos é que estará realmente consolidada e sem nenhum obstáculo a propriedade em nome do credor fiduciário e extinta a dívida do devedor fiduciante, à luz do que disposto no § 5°, deste mesmo artigo 27 da lei n° 9.514/97.

Nesse sentido, extremamente pertinente a observação feita por LUCIANO PASSARELLI (http://lucianopassarelli.wordpress.com/2010/06/14/alienacao-fiduciaria-e-leiloes-negativos-ha-necessidade-de-averbacao-dessa-circunstancia-no-registro-de-imoveis/):

 

“A expressão “consolidação da propriedade” pode levar o leitor desavisado a achar que agora o credor-fiduciário é proprietário pleno do imóvel, reunindo em sua pessoa os clássicos poderes inerentes à propriedade, podendo então usar, gozar e dispor da coisa, e reavê-la de quem injustamente a detenha ou possua, como expressa o artigo 1.228, caput,do Código Civil [3]. Mas ainda não! O novel proprietário não pode usar ou dispor da coisa como melhor lhe aprouver, porque deve dar ao imóvel no curto prazo de trinta dias o destino preconizado no artigo 27 da Lei 9.514/97: promover leilão público para venda do imóvel. Sendo assim, seus poderes de proprietário nem sequer se aproximam da extensão daqueles referidos no artigo 1.228 do Código Civil.

Deve o proprietário dito “consolidado” realizar dois leilões: no primeiro obrigatoriamente deverá haver lance igual ou superior ao valor do imóvel para fins de leilão, estabelecido pelas partes quando da contratação da alienação fiduciária, nos termos do artigo 24, VI, da Lei 9.514/97. Se não houver lance nessas condições, deverá o proprietário realizar um segundo leilão. Neste, o maior lance oferecido poderá ser inferior ao valor da avaliação do imóvel, mas terá que alcançar no mínimo o valor da dívida e demais consectários constantes do artigo 27, parágrafo segundo, da lei sob comento.

Se nenhum lance cumprir tal requisito, ou se simplesmente não houver lance, nos termos do parágrafo quinto do artigo 27, a conseqüência será a extinção da dívida, ou seja, o credor não poderá prosseguir perseguindo eventual saldo pelas vias ordinárias, diferentemente do regramento geral da propriedade fiduciária constante do artigo 1.366 do Código Civil, e nesse momento, finalmente, o credor torna-se proprietário pleno do imóvel! Entendo que não há que se falar aqui em aplicação do artigo 1.365 do Código Civil porque, no regime da Lei 9.514/97, o credor tem a obrigação legal de realizar dois leilões. “Contrario sensu”, não está obrigado a realizar três ou mais leilões, até que finalmente o imóvel seja vendido. Além disso, a “ratio legis” aqui é a de exonerar o devedor, extinguindo-se a dívida. A se admitir a incidência do artigo 1.365 do Código Civil teríamos que admitir também a incidência do artigo 1.366, podendo então o credor prosseguir em execução ordinária contra o comprador, o que parece contrariar o sistema da Lei 9.514/97. Se não houve comprador interessado ou se nenhum ofereceu lance nas condições exigidas pelo artigo 27, a consolidação da propriedade, por assim dizer, atinge seu clímax.

Agora sim poderá usar, gozar e dispor da coisa livremente.”

Concordo plenamente com estas ponderações.

 

Argumentos contra o direito real de garantia sugerido

 

Consoante disposto no parágrafo único do art. 23 da lei n° 9.514/97, com a alienação fiduciária “dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel.”

Tal fato faz com que possa haver grande desvalorização do bem nas mãos do devedor fiduciante (normalmente mais notadas na alienação de bens móveis – automóveis – onde a desvalorização é acentuada em poucos anos)

Argumentos a favor da hipoteca

 

1)O DEVEDOR CONTINUA PROPRIETÁRIO DO BEM

 

A favor da hipoteca, sob a ótica do devedor, está o fato de que ele continua a ser proprietário do bem gravado com o referido ônus reais.

 

2)A Hipoteca Pode ser prorrogada até 30 anos –

De acordo com o art. 1.485 do Código Civil de 2002, por simples averbação requerida por ambas as partes (credor e devedor), poderá ser prorrogada a hipoteca por até 30 (trinta) anos, o que dá conforto para se usar desse meio de garantia para contratos de longo prazo. Demais disso, após este prazo ainda poderá ser reconstituído o contrato de hipoteca, por novo título e novo registro, e nesse caso, lhe será mantida a precedência que então lhe competir.

 

3)O devedor proprietário pode instituir novas hipotecas e outros direitos reais sobre o mesmo imóvel

 

De acordo com os arts. 1.474 e art. 1.476 do Código Civil de 2002 podem subsistir sobre o mesmo imóvel vários direitos reais e mesmo mais de uma hipoteca.  Isso permite ao devedor que dê o imóvel em garantia de mais de uma dívida, o que não é possível com a alienação fiduciária, porquanto esta transfere a propriedade do devedor fiduciante ao credor fiduciário.

 

4)O devedor proprietário pode vender o bem hipotecado –

 

O art. 1.475 do Código Civil de 2002 dispõe ser nula a cláusula que proíbe ao proprietário alienar o imóvel hipotecado, o que é uma vantagem se comparado com a alienação fiduciária em garantia, onde o imóvel já foi transferido por motivo de uma dívida e não poderá ser “vendido novamente” mesmo que a operação seja vantajosa para o devedor fiduciante, porquanto a propriedade resolúvel se encontra com o credor fiduciário.

Já o parágrafo único deste mesmo art. 1. 475 do Código Civil de 2002 confere ao credor hipotecário garantia de recebimento de toda sua dívida antecipadamente, se vendido o imóvel, caso assim esteja avençado. (Art. 1.475. (…)Parágrafo único. Pode convencionar-se que vencerá o crédito hipotecário, se o imóvel for alienado”).

Argumentos contra a hipoteca

1)O BEM DADO EM HIPOTECA INTEGRA MASSA FALIDA EM CASO DE FALÊNCIA DO DEVEDOR

 

Embora a lei n° 11.101/05, em seu inciso II, do art. 83, tenha melhorado a condição dos direitos reais de garantia, o bem gravado por hipoteca ainda integra a massa falida.

Eis o que diz referido artigo:

Da Classificação dos Créditos

        Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:

        I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho;

        II – créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado;

Assim, se o bem dado em hipoteca for de pequeno valor e se os créditos derivados da legislação do trabalho, ainda que limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários mínimos por credor forem de valor elevado, o credor hipotecário corre o risco de não ver solvida sua dívida.

Já o credor fiduciário, proprietário que é do bem dado em garantia, pode se valer do “pedido de restituição”, disposto no art. 85 da lei n° 11.101/05, para afastar da massa falida o bem que lhe é próprio.

 

2)Devedor Hipotecário Insolvente – Venda do Imóvel em Leilão por Baixo Valor Não extingue a Dívida Hipotecária

 

Ao contrário do que ocorre com a venda por baixo valor, em 2° leilão, pelo credor fiduciário do imóvel dado em alienação fiduciária, em que a dívida do devedor fiduciante se extingue, à luz do que disposto no § 5°, do art. 27 da lei n° 9.514/97;  na hipoteca subsiste a responsabilidade do devedor hipotecário insolvente pelo saldo da dívida, caso vendido o imóvel em leilão o valor obtido não seja suficiente à quitação daquela.

Conclusão

 

Somente o desconhecimento podem justificar a utilização de hipoteca em vez de alienação fiduciária em larga escala.

A hipoteca ainda tem sua utilização garantida, em casos onde basta à tranqüilizar o credor quanto ao recebimento da dívida.

No entanto, a alienação fiduciária de bem imóvel, nos termos da lei n° 9.514/97 é meio mais seguro e eficaz de garantia para o credor

A ratificar a exposição acima, lembro que até mesmo Cartórios de Registro de Imóveis desconhecem a versatilidade e simplicidade do instrumento de alienação fiduciária, como por exemplo cito o Cartório de Registro de Imóveis de São Gonçalo, que no ano passado se recusou a aceitar transferência de propriedade de imóvel por instrumento particular, no caso o contrato de alienação fiduciária feito em conformidade com o que disposto na lei n° 9.514/97, o que demonstrou que 12 anos não foram suficientes à devida compreensão da modernização trazida por esta lei.

As ressalvas feitas por Luciano Passarelli, quanto à alienação fiduciária, e às dúvidas ainda existentes quanto a aspectos não muito explicitados pela lei n° 9.514/97 não são suficientes a afastar a superioridade que a alienação fiduciária tem sobre a hipoteca.

 

Rodrigo José de Kühl e Carvalho

 Advogado no Rio de Janeiro e Brasília

 Especialista em direito empresarial, com ênfase em societário e mercado de capitais, pela FGV-RJ, 

 Master of Law (L.L.M.)  Litigation pela FGV-RJ; e

MBA em Direito Tributário,  também pela Fundação Getúlio Vargas.

Referências bibliográficas

PASSARELLI, Luciano. Alienação fiduciária e leilões negativos:  há necessidade de averbação dessa circunstância no Registro de Imóveis?

in://lucianopassarelli.wordpress.com/2010/06/14/alienacao-fiduciaria-e-leiloes-negativos-ha-necessidade-de-averbacao-dessa-circunstancia-no-registro-de-imoveis/

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *