ARBITRAGEM E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA E INDIRETA
Introdução
Muito se discutiu sobre a possibilidade de utilização de arbitragem pela Administração Pública direta e indireta, v.g., no caso em que uma sociedade de economia mista e uma empresa particular firmaram contrato de compra e venda.
Antes de maiores análises, há de mister se verifique se há no contrato cláusula compromissória, se esta é cheia ou não, e qual o idioma em que deve se realizar a arbitragem.
Responsável pela análise do requerimento de instauração de arbitragem
Quando há cláusula compromissória válida, o requerimento de instauração da arbitragem deverá ser feito à Câmara Arbitral indicada, o qual deve seguir o que disposto no Regimento Interno ou Regulamento da Câmara.
Como cada Câmara pode ter seu modus operandi próprio, é necessário verificar no Regimento Interno ou Regulamento a quem dirigir o requerimento de instauração de arbitragem.
Impossibilidade de uso de anti-suit injunctions
Injunction é medida que nada tem com nosso mandado de injunção, sendo mais parecida com medida cautelar. Anti-suit injunction seria, portanto, uma determinação contra processo.
Inicialmente, o anti-suit injunction surgiu em apoio à arbitragem, mas, posteriormente, passou a ser usado contra.
Uma ordem dada a uma das partes para não propor uma ação específica perante a jurisdição de outro Estado ou de outro tribunal arbitral.
Nossa lei de arbitragem, no art. 8° estabelece a regra da Kompetenz-Kompetenz, a qual comete ao próprio árbitro o poder de dizer sobre sua competência.
Com isso, afasta-se do Judiciário brasileiro a possibilidade de utilização de anti-suit injunction com objetivo de evitar ou postergar a instauração ou continuidade do processo arbitral. Nesse sentido, de impossibilidade de uso de anti-suit injunction contra arbitragem, era pacífica a jurisprudência brasileira, que somente fazia exceção em alguns julgados aos casos de contratos administrativos ou de sociedade de economia mista.
Agora, nem mesmo esses poucos julgados contra são expressivos, tendo em vista a decisão do Superior Tribunal de Justiça no REsp 612.439, que ratificou o entendimento majoritário de que a sociedade de economia mista pode participar de arbitragem se houver se comprometido por cláusula compromissória.
Possibilidade de haver conflitos entre os princípios da arbitragem e os princípios da administração pública – CRFB art. 37
São variadas as teses que sustentam a legalidade e outras tantas que sustentam a ilegalidade de a Administração Pública poder participar de arbitragem.
Os que entendem pela ilegalidade o fazem com fulcro nos seguintes argumentos: indisponibilidade do interesse público; a irrecorribilidade das decisões; seria necessária autorização específica por lei, haveria infringência da lei n° 8.666/93 e, no caso de empresa pública e sociedade de economia mista, o parágrafo primeiro do art. 173 da Constituição Federal não teria aplicação imediata, sendo de mister a lei específica.
Os que entendem ser possível, argumentam que há diferença entre interesses públicos primários (cuja proteção se exterioriza em atos de Império pela Administração, que somente podem ser apreciados pelo Judiciário) e secundários (cuja proteção se exterioriza em atos de gestão, que podem ser apreciados pelo Judiciário e ser objetos de arbitragem).
Os interesses disponíveis, interesses secundários, portanto, são passíveis de arbitragem, além de ser claro que é interesse da coletividade resolver conflitos rapidamente, tanto que é direito de todos a “razoável duração do processo” tal como previsto na Constituição da República.
Quanto à irrecorribilidade das decisões, esse não é princípio absoluto, porquanto já mitigado por lei (lei n. 9.469/97), nos casos de irrecorribilidade de decisões cujo valor patrimonial da condenação não ultrapassar a R$ 1.000,00. Tal irrecorribilidade da lei n° 9.469/97 atende ao princípio de eficiência, pois que o custo da Administração, com processos de baixo valor, mais a sobrecarga do Judiciário que impede seja atendido à determinação constitucional de “razoável duração do processo”, e ao princípio da “eficiência” (art. 37 da Constituição da República, mais art. 2° da lei n° 9.784/99) são ponderados com outros princípios, para se ter por válida, constitucional e eficaz a lei de arbitragem também quando for parte a Administração.
Quanto às autorizações, sustentam que há autorização específica em algumas leis, bem como há autorização genérica no art. 1° da lei n° 9.307/97, e autorização genérica concedida pela lei n° 8.666/93 (art. 54).
Assim, para os defensores da utilização de arbitragem pela Administração Pública, esta somente teria de, ao se valer de seu poder discricionário, de escolher a arbitragem, motivando a decisão, ou seja, teriam de estar presentes a “conveniência” e “oportunidade” da Administração pela via eleita.
Com relação às empresas públicas e sociedades de economia mista, ou o art. 173 da Constituição seria autoaplicável ou estariam estas sujeitas à lei de licitações, onde possível a utilização da arbitragem, sendo certo que o Superior Tribunal de Justiça pacificou o assunto, com expor que as sociedades de economia mista que se obrigaram por cláusula compromissória devem participar de arbitragem. Lembra, SCAVONE, ainda, que o art. 40 do Código Civil dispõe que tais empresas são equiparadas às pessoas jurídicas de direito privado quando exercem atividades típicas de direito privado.
O Supremo Tribunal Federal já atestou a legalidade do juízo arbitral em sede do Poder Público, de acordo com o precedente citado em “Da Arbitrabilidade de litígios envolvendo sociedades de economia mista e da interpretação de cláusula compromissória, in, Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da ARbitragem, ano 5, out. dez 2002, RT
SCAVONE (op. cit. p. 53, item 13) menciona os seguinte precedentes do Supremo Tribunal Federal: SE 5206 AgR/EP, AI 52.191 (Caso Lage) e o MS 199800200366-9 e REsp 450881 do STJ.
Conclusão
O fato de uma empresa ser sociedade de economia mista não impedirá o desenvolvimento, validade e eficácia do procedimento arbitral, desde que haja cláusula compromissória firmada e o assunto não diga com interesses públicos primários (indisponíveis).
Em que pese uma das partes ser sociedade de economia mista, pelo precedente do Superior Tribunal de Justiça no RESp. 612.439, não há falar em utilização de anti-suit injunction, pelo princípio da Kompetenz-Kompetenz, inserto no art. 8° da Lei de Arbitragem, pelo qual somente o árbitro deverá decidir quanto a sua competência.
As teses de impossibilidade de utilização da arbitragem pela Administração Pública, não resistem à análise mais profunda e à ponderação dos princípios administrativos e constitucionais envolvidos.
Rodrigo José de Kühl e Carvalho
Advogado no Rio de Janeiro e Brasília
Especialista em direito empresarial, com ênfase em societário e mercado de capitais, pela FGV-RJ,
Master of Law (L.L.M.) Litigation pela FGV-RJ; e
MBA em Direito Tributário, também pela Fundação Getúlio Vargas.
Referências bibliográficas
-Scavone Junior, Luiz Antonio (Manual de Arbitragem, 2. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 49 e seg.)
– Da Arbitrabilidade de litígios envolvendo sociedades de economia mista e da interpretação de cláusula compromissória, in, Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da ARbitragem, ano 5, out. dez 2002, RT, apud Scavone.
– Regulamento da Câmara FGV de Conciliação e Arbitragem da Fundação Getúlio Vargas – 29/11/2010
– Lei 9.307/96;
– Artigo 173 CF